[Entrevista] Abril Azul: mãe de criança autista fala sobre os desafios e a rotina em Petrópolis
Flávia Gonzalez é psicóloga e equilibra a vida profissional com os cuidados e desafios de criar uma criança autista
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Transtorno do Espectro do Autista caracteriza-se como uma condição que altera o neurodesenvolvimento da pessoa diagnosticada como autista. Afetando a organização dos pensamentos, sentimentos e emoções, e consequentemente, comprometendo a comunicação e a interação do indivíduo.
Para esclarecer questionamentos e combater o preconceito contra pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a Sou conversou com a psicóloga Flávia Gonzalez, que equilibra a vida profissional com os cuidados e desafios de criar uma criança autista.
Foto: Arquivo Pessoal
Vale ressaltar que, durante o Abril Azul, mês de conscientização sobre o TEA, as campanhas realizadas ajudam a trazer clareza sobre o transtorno e formas de apoiar, cuidar das pessoas afetadas pelo mesmo. Confira abaixo a entrevista:
Sou: Você acha que Petrópolis tem ações especiais suficientes para atender crianças com autismo?
Em Petrópolis, temos as sessões de cinema adaptadas para crianças atípicas. Nelas, o som é mais baixo, a luz levemente acessa e os lugares não são marcados. É um espaço muito importante de inclusão cultural. Acredito que essa adaptação poderia se dar em mais cinemas, teatros, exposições e festas da cidade.
Sou: Para você, quais são as principais dificuldades que pessoas autistas enfrentam?
“Como o autismo se manifesta nas relações interpessoais e comunicativas, acho que a maior dificuldade está na compreensão de que o autismo não é uma doença, mas sim uma condição que faz com que as pessoas se comportem e se relacionem de outra forma. Mas que, apesar disso, com alguma adaptação e compreensão a inclusão em todos os espaços sociais é possível, fundamental e um direito”.
Sou: O que pode ser feito para melhorar a vida de pessoas com autismo em Petrópolis?
Em Petrópolis, assim como eu outras cidades, entendo que a melhor forma seja a psicoeducação, quanto mais informação, menor o preconceito. Então, é fundamental que a gente tenha eventos culturais, públicos e sociais em que pessoas atípicas convivam com as pessoas típicas. Essa convivência, juntamente com a informação leva a uma mistura fundamental para a vida de todos. Então, entendo que o direito à cidadania, através da ocupação dos lugares públicos é fundamental.
Sou: Como você descobriu essa condição no seu filho?
Na minha experiência individual, começamos a observar antes dos dois anos que o meu filho não fazia muito contato visual e que apresentava atraso na fala. Diante disso, buscamos opiniões médicas e de demais profissionais da saúde. Foi assim que iniciamos o tratamento precoce com uma série de terapias fundamentais para estimular o desenvolvimento dele. O processo é lento, cansativo, desgastante, mas os avanços são evidentes. Esse momento do diagnóstico, ou até mesmo da hipótese diagnóstica, costuma ser muito difícil, pois muitas dúvidas, medos e culpas são acionados.
Sou: Como é o dia a dia do seu filho?
Meu filho tem quase quatro anos e tem uma rotina muito puxada. Além da escola, tem terapias todos os dias pela manhã. São muitas horas de estímulo para ele e muitas horas de sala de espera para nós. Além dessa rotina, temos nossa rotina familiar e social. Apesar das dificuldades, buscamos sempre, que possível, ocupar espaços e ir aos eventos da cidade com ele. Sem ele também, pois os pais atípicos também precisam de um espaço sem os filhos.
Sou: Quais as situações mais difíceis que vocês já passaram juntos?
O mais difícil é ter sempre que lutar para ter acesso ao que é seu por direito. Isso é extremamente cansativo, fonte de ansiedade e estresse para os pais atípicos. Em todas as esferas temos que lembrar aos outros de que temos diretos e não aceitaremos menos do que isso. Essa é uma luta desgastante. Então, a situação de estar constantemente resolvendo pendências médicas, com o plano de saúde, com a escola, com as terapias e com as atividades diárias, é o mais difícil com certeza.
Sou: Qual é a influência do seu filho na sua rotina?
Influência total. A nossa rotina é totalmente adaptada aos horários de terapia dele. É importante pontuar que isso só é possível pelo nosso modelo de trabalho. Sou psicóloga autônoma, o que me permite adaptar os meus horários, mas essa não é a realidade da maioria das famílias. Por isso, o apoio financeiro é fundamental em muitos casos, pois só assim, as famílias conseguem dar o tratamento adequado aos seus filhos.
Sou: Qual mensagem você gostaria de deixar para outras mães de crianças autistas?
Acho que o mais importante é entender que temos fases. Entender que é normal se sentir cansada, sozinha, falha, incapaz e um monte de outras coisas. Somos tudo isso e podemos ser assim. É natural apresentarmos desgaste e sofrimento. Então, nos momentos de dificuldades, é importante dar espaço para esses sentimentos dentro da gente.
Também acho muito importante trocar com mães típicas de filhos da mesma idade, pois muitas coisas percebemos que são da fase do desenvolvimento. Além disso, trocar com outras mães atípicas é libertador. Pretendo criar um grupo no whatsapp só para mães e pais atípicos de Petrópolis. Caso alguém tenha interesse, pode me chamar no Instagram.
Ações do GAAPE
Na última semana, conversamos com Ângela Amaral que, além de mãe, também é uma das coordenadoras do Grupo dos Amigos Autistas de Petrópolis (GAAPE). Na entrevista, Ângela explicou como funciona o projeto e suas ações para as pessoas que precisam de apoio na cidade. Confira!