Educadores revelam medo da volta às aulas presenciais em Petrópolis sem vacinação
Retorno foi anunciado no mês em que a cidade bate recorde de mortes por Covid-19. Profissionais da educação relatam angústia e insegurança diante da medida adotada pelo município
A retomada das aulas presenciais em Petrópolis anunciada na quarta-feira (28) pelo município está provocando angústia, insegurança e medo aos profissionais da educação, uma vez que a cidade já registra em abril recorde de mortes por covid-19: são 208 óbitos em 27 dias. Ao todo, o município já confirmou 955 mortes pela doença desde o início da pandemia, em março de 2020.
“Sem vida, não há escola, aprendizado e educação”, afirma Rose Silveira, representante do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe).
Foto Ilustrativa
Ela destaca que o direito à educação é um direito constitucional, previsto e assegurado também em documentos de âmbito internacional, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e diz que os profissionais que dedicam suas vidas à educação conhecem bem o papel transformador e emancipatório do ensino.
“Mas o momento exige cautela. Esse é um aprendizado: difícil invocar o direito à educação, quando os desafios giram em torno, principalmente, de preservar o direito à vida”, diz.
Rose lembra que existem experiências frustradas de retornos precipitados e que servem como exemplo do que não fazer, uma vez que essa precipitação representa números de óbitos evitáveis de profissionais da educação no país.
Ela também ressalta a falta de estrutura das escolas, falta de orçamento para adaptações e até mesmo de equipamentos básicos para proteção individual, como máscara e álcool em gel.
“O que temos é escola sem ventilação, sem distanciamento garantido, sem banheiros suficientes e limpeza e sanitização insuficientes. Isso sem contar o deslocamento, que diante da estrutura do transporte também é um fator de alto risco”, assinala.
A representante do Sepe destaca ainda que o retorno às aulas é um objetivo de todos, mas desde que ocorra sem implicar em riscos reais à integridade, à saúde e à vida da comunidade escolar e das pessoas que estão envolvidas em contato, direta ou indiretamente com o funcionamento escolar. “É preciso resgatar o senso de coletividade, entendendo que todos querem o retorno, desde que esse seja realizado de forma segura, após a vacinação”, diz.
Educadores questionam efetividade das medidas para retorno às aulas
“Só quem nunca deu aula pode achar que a escola funcionará normalmente em meio à tragédia que vivemos”, diz Michel Pinto da Liga dos Educadores. Em nome do coletivo ele traz uma série de questionamentos sobre a segurança efetiva desse retorno às aulas.
“Quem pode taxativamente afirmar que as crianças estão seguras no ambiente escolar? Como manter uma relação de confiança e construir um ambiente propício ao processo pedagógico com a doença e a morte permanentemente rodeando nossas vidas? Como essas crianças lidarão com o luto de perder um(a) coleguinha que anteontem estava entre elas?”
Falta infraestrutura
Assim como o Sepe, a Liga dos Educadores também afirma que a maioria das escolas em Petrópolis não tem condições de infraestrutura para garantir segurança sanitária para seus frequentadores.
“É normal encontrar corredores estreitos, banheiros e pias insuficientes, refeitórios apertados e janelas inadequadas. Some a isso as salas superlotadas, com ventilação insuficiente. Teremos o cenário ideal para transmissão da Covid-19”, diz Michel.
Ele lembra ainda que cada escola depende de uma grande equipe para que possa funcionar, onde a falta destes profissionais já é um problema imenso no cotidiano “normal” do ambiente escolar, o que se agrava em um momento de pandemia.
“Portanto, não é possível imaginar que a imediata abertura das unidades escolares para atividades pedagógicas presenciais trará de volta a vida que havia antes da pandemia. Isso não ocorrerá, não enquanto as taxas de transmissão, hospitalização e morte por covid-19 ainda estiverem em níveis elevados. A ciência tem demonstrado sistematicamente que o retorno às aulas presenciais só será possível através de vacinação em larga escala”, afirma o educador.
Para ele, não é possível aceitar colocar a vida dos estudantes e de seus familiares, assim como a dos educadores, profissionais que atuam nas escolas e de toda a sociedade, em risco.
“Principalmente, diante de governos que não realizaram esforços suficientes para garantir um ensino remoto com melhor qualidade, e que poderia reduzir danos nesse cenário de crise sanitária e econômica. A escola pública, única ferramenta de ascensão social para maioria da população brasileira, deve ser tratada como prioridade.”
A Liga dos Educadores acredita que o futuro da sociedade depende de valorização constante e crescente dos profissionais que atuam na educação. “E é preciso, permanentemente, pensar e defender a educação pública como essencial para o desenvolvimento da nação”, ressalta.
Retorno às aulas
A Prefeitura divulgou a retomada das aulas presenciais no sistema híbrido e de maneira escalonada na noite de quarta-feira (28), cinco horas depois de informar que os profissionais da educação seriam contemplados com a vacinação a partir de maio.
Segundo o município, o cadastramento para agendamento dos profissionais vai ocorrer até o fim da semana. Ainda assim a volta às aulas nas escolas gera insegurança para os educadores e demais responsáveis pelo funcionamento de uma unidade de educação, levando-se em conta que a imunização contra covid-19 só é considerada efetiva após a aplicação da segunda dose da vacina, que ocorre em um determinado espaço de tempo após a aplicação da primeira dose.
Roberta Gregorio, professora de unidades públicas e particular, tem asma e não esconde o medo de retornar à modalidade de ensino presencial.
“Não existe essa de não aglomerar em escolas. Sabemos que muitos estudantes estão nas ruas, jovens saindo, famílias se reunindo. Mas se isso ocorreu [a liberação por parte do município da retomada], essa foi também uma decisão das famílias. Agora o espaço escolar que deveria ser de reflexão para a vida em sociedade, num país com gigantescas desigualdade sociais, num momento de negacionismo científico e no auge do pico pandêmico da cidade, abrir as escolas… É a banalização total da vida!”, desabafa.
Segundo a educadora, embora os profissionais estejam sendo acusados de covardes, nunca deixaram de trabalhar e inclusive enfrentam neste um ano de pandemia uma rotina exaustiva no ensino à distância. “O que sabemos efetivamente é que a educação remota tem evitado explosão dos casos e que o retorno às aulas presenciais só será seguro, com a vacinação da comunidade escolar e com o controle da pandemia”, conclui.
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