Mulheres de Petrópolis: conheça a história da primeira motorista de ônibus da cidade
Tem mulheres que sonham em ser professoras, bailarinas e advogadas. Mas se você estava esperando uma história convencional, já pode parando de ler por aqui.
Nesse 8 de março de 2020, Dia Internacional das Mulheres, não teria história melhor para contar senão a da primeira motorista de ônibus de Petrópolis. Antonieta Pozzato tem 67 anos, é mãe, avó, em breve bisavó e, acima de tudo, um reflexo da luta diária de mais de 100 milhões de brasileiras por respeito e diretos iguais.
Foto: Firma Criadores
Antonieta é a terceira entrevistada da série “Mulheres de Petrópolis”, realizada entre a parceria da Sou Petrópolis e do Café e Bistrô Duetto’s. Confira o resultado dessa conversa na ‘casa rosa’ mais charmosa da cidade:
1. De onde veio a vontade de ser motorista de ônibus?
Antonieta Pozzato: Eu dirijo desde os 12 anos de idade, porque meu pai trabalhava com extração de pedras e tinha um caminhão. Ele sempre dizia brincando: “Minha filha, você tinha que ter nascido homem para me ajudar”. E eu adorava poder ajudá-lo, mas a vida acabou me levando a fazer o magistério, apesar daquilo não ter nada a ver comigo. Eu gostava mesmo era de dirigir e, por conta disso, comecei a ser instrutora de autoescola. Lá eu troquei a minha carteira para a D e comecei a ver a facilidade que eu tinha de dirigir caminhões. Dali para frente eu estava determinada a, finalmente, trabalhar fazendo o que eu amava e, em 1997, decidi ser motorista de ônibus.
Foto: Firma Criadores
2. Qual foi a reação dos funcionários da empresa de ônibus quando você se candidatou à vaga de motorista?
AP: A primeira pergunta foi: “mas para quem é a vaga?”. E eu respondi que era para mim mesma. O atendente disse que se fosse para homem ele sabia para onde tinha que encaminhar, mas sendo mulher, ele teria que entrar em contato com o proprietário da empresa de ônibus. No dia 7 de setembro de 1997, enquanto estava acontecendo o desfile da Independência do Brasil, eu fazia a prova que me daria 21 anos trabalhando como motorista de ônibus.
3. Como foi fazer a prova para ser a primeira motorista de ônibus de Petrópolis?
AP: Resolvi não contar para ninguém, apenas para a minha filha. Nisso que eu cheguei lá, descobri que já tinha “ido queimada” para o teste, como o próprio avaliador falou. Ou seja, já fui para ser reprovada. Mas, felizmente, eles não tiveram como me reprovar, pois tudo que me pediam para fazer eu fiz com exatidão. Eu estava tremendo quando escutei: “não precisa ficar mais nervosa, porque você passou”.
Foto Arquivo Pessoal Antonieta Pozzato
4. Como os passageiros reagiam quando viam que a condutora do ônibus era uma mulher?
AP: Era como se fosse uma novidade, porque, de fato, eles nunca tinham visto isso. Mas tiveram reações muito boas, como mulheres dizendo que eu era o orgulho e a inspiração delas.
5. Você sofreu algum tipo de preconceito por ter uma profissão dominada por homens?
AP: Muito, mas eu também não levava desaforo para casa. Uma vez uma moça me disse para procurar um tanque para lavar roupa e um fogão para fazer comida. E eu respondi: “Eu faço isso tudo que você falou e ainda dirijo ônibus”.
Na minha família também não era muito diferente. Quando eu fui aprovada, levou um tempo para os meus irmãos e meu filho aceitarem que era essa a minha vocação. Já escutei do meu próprio irmão que eu estava envergonhando a família. E na minha cabeça isso não era justo, pois eu não estava roubando nada de ninguém e estava trabalhando honestamente. Mas, no geral, minha filha e parentes tinham muito orgulho de mim.
6. Você já bateu ou sofreu alguma infração no trânsito?
AP: Nunca. Nenhuma multa, nunca perdi um ponto na carteira. Modéstia parte, sou uma boa motorista, apesar de já ter escutado muito que “mulher no volante é perigo constante”. Para essas pessoas eu respondia brincando: “Pior é você que não sabe dirigir nem a sua vida”.
Foto: Firma Criadores
7. Você sente falta de dirigir?
AP: Sinto muita. Porque, até então, eu sempre fiz tudo por imposição. Eu fiz o magistério sem querer e aprendi a tocar acordeão, porque meu avô queria. Já dirigir, eu fazia aquilo por amor. E até hoje entrar no carro e pegar uma estrada é uma terapia para mim.
8. O que você faz hoje, depois de se aposentar?
AP: Hoje eu trabalho dando treinamento para quem tem habilitação. Eu ensino a dirigir como eu dirijo, com cautela. Porque, muitas vezes, a autoescola te ensina a dirigir para passar na prova, mas não te tira a insegurança de dirigir no dia a dia.
9. Você se vê como uma inspiração para outras mulheres?
AP: Sim. Já conheci, tanto cobradoras como motoristas, que começaram a trabalhar com isso por causa de mim. Hoje Petrópolis tem uma média de 9 mulheres motoristas de ônibus e eu me sinto orgulhosa de ter sido a primeira.
10. O que você diria para todas as mulheres nesse Dia Internacional das Mulheres?
AP: Vocês podem tudo. Não pensem nas críticas ou no “e se…”. Tudo que vocês acharem que devem fazer, façam.
Foto: Firma Criadores
Para ler as edição anteriores da série ‘Mulheres de Petrópolis’, clique aqui:
Mulheres de Petrópolis: conheça a história da fundadora do ballet mais antigo da cidade