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Petrópolis é a terceira cidade com mais casos de racismo em todo o estado

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Petrópolis é a terceira cidade com mais casos de racismo em todo o estado

Conservadorismo, apagamento histórico da população negra e discursos de ódio são os principais fatores apontados por especialistas no assunto

Um dos grupos que mais sofre preconceito no Brasil e no mundo é a população negra. E em Petrópolis isso, infelizmente, não é diferente. De acordo com o Dossiê Crimes Raciais do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ), a cidade é a terceira do estado com mais casos de racismo, segundo os dados mais recentes, de 2019.

Foto: Divulgação

O racismo é crime, de acordo com a Lei 7.716/89, e pode se manifestar de diversas maneiras. Dentre as formas que este preconceito se apresenta estão o racismo religioso, ambiental, recreativo, entre outros.

Manifestação

A nutricionista petropolitana Jéssica Loiola conta que já enfrentou muitos casos dentro de sua profissão. Em um deles, durante uma entrevista de emprego, ela foi questionada pela recrutadora se realmente era nutricionista, pois a responsável pela seleção nunca havia visto uma nutricionista negra.

“Ela se negou a receber meu currículo. Saí de lá e desabei no meu carro. Até aquele momento não tinha entendido o significado do que ela falou, estava chorando por ela não ter aceito o currículo. Depois é que percebi que ela tinha cometido racismo, fiquei sem reação pois nunca tinha passado por algo assim”, comenta.

A petropolitana relata ter se sentido envergonhada e culpada por não conseguir uma vaga na área em que tanto estudou. Chegou a pensar que o problema era ela e cogitou desistir da nutrição.

“Não foi fácil, fiquei com a autoestima lá em baixo e comecei a duvidar da minha própria capacidade. Depois de um tempo, reagi e não aceitei o que aquela mulher havia me dito. Corri atrás de outras oportunidades, mas não é fácil ser nutricionista e negra. Tenho a sensação de precisar provar o tempo todo o quanto eu sou boa e qualificada”, aponta.

Racismo estrutural

Além destas formas mais nítidas de injúria racial, existe também o racismo estrutural, que, como explica o coordenador da comissão de igualdade racial e idealizador do Museu da Memória Negra de Petrópolis, Filipe Graciano, “é um sistema, uma estrutura que beneficia socialmente, economicamente, institucionalmente e territorialmente a população branca, ao passo que o corpo negro é tratado como mercadoria”.

O especialista aponta que são várias as questões que evidenciam o fato de Petrópolis ser o 3° município com mais casos de racismo no estado. Dentre elas, o processo histórico da cidade, que invisibiliza a contribuição da população negra para a história da região.

“O racismo estrutural está na entranha da sociedade a partir da sua constituição. É parte da ordem social e é reproduzido em todos os espaços. Dado o histórico de Petrópolis, isso ganha ainda mais força. O Museu da Memória Negra evidência que, em 1736, haviam mais negros do que brancos aqui. Mas isso é apagado e, assim, se cria um beneficiamento da branquitude”, esclarece.

Fotos: Acervo Museu da Memória Negra de Petrópolis

Liberdade de expressão x discurso de ódio

Filipe destaca ainda que, nos últimos anos, houve um avanço no pensamento de que discurso de ódio é a mesma coisa que liberdade de expressão. Assim, muitas pessoas se sentem no direito de cometer crimes de injúria, como o racismo e a homofobia.

Além disto, muitas pessoas negras não se autoidentificavam dessa forma, mas sim como pardas, pois viam esse reconhecimento como algo negativo. Mais recentemente é que a população negra vem tomando consciência sobre a sua identidade, e isso ajuda a perceber o racismo, bem como na promoção de políticas públicas. “A medida em que a gente se reconhece como pessoas negras, passamos a lutar pelos nossos direitos”, afirma.

Conservadorismo

A professora de Pedagogia da Universidade Católica de Petrópolis (UCP) e doutora em questões raciais na Educação, Gerusa Faria Rodrigues, considera que há uma relação direta entre o racismo e o conservadorismo dos habitantes da cidade e suas relações históricas associadas ao colonialismo.

“Para grande parte dos petropolitanos apenas as contribuições da colônia alemã e dos demais europeus é valorizada e enaltecida. Toda essa falta de conhecimento sobre a história e cultura negra, bem como esse pensamento colonizado, geram preconceitos e, consequentemente, o racismo”, comenta.

Durante sua pesquisa de doutorado, Gerusa observou que a população negra parece não fazer parte da cidade, já que não é vista expressivamente em eventos de repercussão, estando majoritariamente nas periferias e sempre em posição subalternizada. “Todos estes fatores contribuem para a perpetuação do racismo estrutural e da ratificação de estereótipos de que Petrópolis não é uma cidade de pessoas negras”.

Foto: @samfotografia13

O racismo na base

Gerusa explica que o racismo se manifesta, muitas vezes, de forma velada, em pequenas atitudes do cotidiano, ou em ações mais explícitas, onde há agressões verbais, ou mesmo físicas.

“Na educação, os estudantes negros recebem menos oportunidades, da creche ao ensino superior. Eles precisam se adequar e adotar um comportamento padrão branco, para que sejam aceitos. Há professores que praticam atitudes racistas, ‘sem perceberem’, por já estar naturalizado e não ser discutido de forma fundamentada e sistemática na formação inicial e continuada dos educadores”, alerta.

A profissional acredita ser necessário realizar ações, principalmente na área educacional. Além disto, é preciso que a sociedade civil e organizações governamentais fomentem o resgate da memória negra na cidade, dando visibilidade de modo a enaltecer a produção cultural e intelectual da população negra.

“Isto produz conhecimento, que é uma forma potente de diminuir preconceitos e a intolerância, mesmo em uma sociedade conservadora como a de Petrópolis”, reforça.

Como acabar com o racismo?

Filipe ressalta que o combate ao racismo não deve ser um posicionamento moral e individual, isto porque é impossível não ser racista, dado o processo histórico da própria sociedade em que cada um vive. “Por isso precisamos ser antirracistas, com ações no cotidiano, denunciando, combatendo as violências raciais e dando visibilidades aos casos de racismo”.

Para isto, é preciso se informar sobre as formas do racismo e aprender a indentificá-lo. “Enquanto pessoa branca, é necessário reconhecer os seus pribilégios e usá-los para a luta antirracista, se posicionar e dar amparo às vítimas que, muitas vezes, ficam na imobilidade por não acreditarem que aquilo está acontecendo”, declara.

O coordenador acrescenta ainda que é necessário dar visibilidade às pessoas negras e levar a discussão para todos os espaços.

Ações antirracistas

Em novembro de 2022, durante a abertura da Festa Afro Ubuntu, Petrópolis passou a contar com o serviço Disque Antirracista (0800-024-1000), número direto para denúncias da população e que oferece assistência jurídica, psicológica e assistencial às vítimas de racismo na cidade.

Foto: Divulgação

Outra política pública, de acordo com Filipe, é o selo da escola antirracista, em que cada instituição de ensino tem uma série de ações que devem ser feitas para efetivar o combate ao preconceito no ambiente educacional.

“A luta antirracista nunca finda, ela vai se atualizando à medida em que a sociedade vai se adaptando”, finaliza.

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