Vítima das chuvas de domingo, Mário faleceu enquanto tentava salvar idosa: “lutava pelo próximo”, lembra irmã
“Ele tinha muito de querer lutar pelo próximo”, diz sua irmã, Isabel Carvalho
Com um currículo e uma carreira de prestígio, Mário Augusto Queiroz Carvalho, de 35 anos, era mestre e doutor em Lógica e Metafísica pela UFRJ – mesmo programa do qual era professor. Membro do corpo docente do Departamento de Filosofia da referida universidade, Mário faleceu nas chuvas do último domingo enquanto tentava salvar Heloisa Helena Caldeira da Costa, de 86 anos. Entre os vários ensinamentos divididos com colegas de profissão, alunos, familiares e amigos, a preocupação com o próximo, certamente, foi um dos principais deles.
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Descrito pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da universidade como um jovem professor que “destacava-se pelo carisma, gentileza e cuidado no trato com os colegas e alunos”, Mário era, como relata sua irmã Isabel Carvalho, de 33 anos, um intelectual, filósofo, professor, ativista e, sobretudo, alguém motivado a defender e ajudar aqueles que o cercavam. “Meus pais sempre nos incentivaram a ter amor pelo próximo e lutar pelos direitos humanos. Ele tinha muito de querer lutar pelo próximo”, relata Isabel.
Desde jovem interessado em adquirir conhecimento, Mário falava diferentes línguas – algumas aprendidas de maneira autodidata, teve passagem pela Universidade de Tours, na França, durante o Doutorado, e mantinha uma biblioteca particular com cerca de mil exemplares. “A melhor herança que poderia ter me deixado”, diz Isabel. Melhores amigos, Mário e a irmã eram confidentes. Entre as principais lembranças do petropolitano, ela destaca sua humildade e gentileza. “Ele era genial, viajou para muitos países e, apesar disso, era extremamente humilde”.
Entre as principais áreas de pesquisa de Mário estavam a metafísica, a teoria do conhecimento e a história da filosofia medieval, sobre o pensamento escolástico latino dos séculos XIII e XIV, com atenção especial a Tomás de Aquino, Teodorico de Freiberg, Eckhart de Hochheim, João Duns Scotus e Guilherme de Ockham. Em resposta à nota de pesar publicada pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, o falecimento do professor foi recebido com muito pesar. “Deixa uma lacuna no coração de todos”, diz a publicação.
No domingo (20), Mário estava na casa dos pais, localizada na Washington Luiz, quando houve a primeira chuva. Ele teria recebido uma mensagem do também professor Nelson Ricardo Ferreira da Costa, que estava preocupado com a mãe, e se deslocado até lá para ajudá-lo a retirar dona Heloísa do imóvel. “O Nelson estava com medo. A mãe dele tinha alguns problemas de saúde e não conseguia se locomover. A escadaria lá era muito grande”. Isabel manteve contato com o irmão até 21:30. Dez minutos depois, já não houve mais retorno do irmão.
“Ele estava com medo que entrasse água na garagem do prédio onde ele morava. Falei com eles umas três vezes para não ficar ali, porque estava muito perigoso. Eu estava com uma sensação e minha mãe também. Às 21:40 perdemos contato completo. Fui dormir porque ele disse que tinha acabado a luz. No dia seguinte, quando acordei, não consegui acreditar. O desabamento da casa do Nelson era a única coisa que estava sendo relatada de forma pontual. Foi um choque muito grande”.
Identificado pelas equipes de resgate após a ida da família ao local, Mário foi encontrado próximo do cachorro que compartilhava com Nelson, o Delúbio. Este encontrado com vida. “O Mário sacrificou a vida dele para salvar a vida do Delúbio. Era a única atitude que eu esperava do meu irmão. O Delúbio é um elo entre a nossa família e a do Nelson e agora a gente tem essa missão de cuidar dele e da gatinha que meu irmão também mantinha”. Lembrado com carinho e admiração, Mário deixou um legado de ensinamentos, solidariedade e gentileza.