Conheça a tradutora de Petrópolis que já trabalhou em livros mundialmente famosos
Dia do Tradutor: Gabriela Araújo tem cinco livros publicados e já trabalhou em mais de 30 obras. Confira a entrevista com ela!
Nesta segunda-feira, 30 de setembro, é comemorado o Dia Mundial do Tradutor. A data homenageia São Jerônimo, santo responsável por traduzir a Bíblia do grego antigo e do hebraico para o latim no século V. Ainda hoje, no século XXI, esta profissão tem suma importância para facilitar o acesso à cultura.
Em entrevista à Sou Petrópolis, a tradutora, escritora e petropolitana de coração, Gabriela Araújo, que já trabalhou em livros de grande sucesso mundial, conta um pouco sobre o seu trabalho.
Fotos: Arquivo Pessoal
Como começou a sua ligação com os livros? Você sempre gostou de ler?
GA: Já na infância, quando as professoras passavam livros paradidáticos para lermos, enquanto outras crianças reclamavam da tarefa, eu adorava. Familiares meus contam (e eu não lembro disso) que eu pedia que me contassem histórias, mas que eu mesma gostava de criar finais para elas, e que eu comecei a ler jornal muito cedo (aos 6 anos!). O gostinho pela leitura sempre existiu, mas engatei mesmo no gosto pela literatura na adolescência, com Crepúsculo. Li a série, vi os filmes e comecei a escrever fanfics a respeito.
Trabalhar com literatura sempre foi um sonho? Se não, quando essa vontade despertou?
GA: Na época, eu nem considerava que trabalhar com livros fosse uma opção. Não é uma escolha de carreira da qual as pessoas falam como advocacia, medicina ou magistério, sabe? Ninguém tinha costume de ler uma folha de rosto ou uma ficha catalográfica nos livros e pensar: nossa, tem muita gente por trás que fez este livro acontecer e chegar a minhas mãos, será que um dia eu posso ser uma delas?
Meu estalo de que eu poderia trabalhar como profissional do livro veio quando conheci outros profissionais do livro, quando comecei a acompanhar o que diziam e como este universo funcionava a partir das redes sociais.
Livros preparados por Gabriela. Fotos: Arquivo Pessoal
Como você começou nesse trabalho de tradução, revisão, preparação e escrita? Você é formada em turismo, certo? Quando essa chavinha virou?
GA: Sim, sou formada em turismo! Atuei na área por alguns anos depois de me formar, trabalhei em cruzeiros fora do Brasil, e foi só quando voltei para casa, no início da pandemia, que comecei a pensar no que poderia fazer para além disso. Eu não estava satisfeita trabalhando com turismo na minha cidade (Rio de Janeiro), e não sabia se (e nem quando) as atividades no cruzeiro retornariam.
Nesta época, eu já escrevia. Tinha deixado as fanfics de lado e passara a escrever poemas ao longo dos anos. E já fazia um tempo que eu cultivava a vontade de trabalhar em algo remotamente, que me permitisse liberdade geográfica e que me satisfizesse mais também.
Em 2020, conhecendo toda essa galera nas redes sociais, o mercado independente, a possibilidade de autopublicação na Amazon e tudo mais, entendi que talvez houvesse espaço para eu publicar um livro de poesia por conta própria. Além disso, eu já tinha feito uns freelas de tradução uns anos antes (tradução técnica de documentos e etc), e entendi que talvez pudesse unir a paixão e conhecimento que eu tinha pelo idioma com o outro grande amor que eu tinha há tempos: a literatura.
Assim, comecei a me especializar em tradução literária, fazer contatos, ouvir sobre as jornadas de outros tradutores, e as coisas foram acontecendo. Em 2022, decidi fazer uma pós-graduação em produção editorial, e me formei nela no início de 2024. Foi um passo muito importante também. Meu despertar como autora e como tradutora acabaram acontecendo ao mesmo tempo, um influenciando o outro.
Fotos: Arquivo Pessoal
Como funciona a sua rotina e como acontecem esses trabalhos na prática?
GA: Bom, geralmente, tradutores literários trabalham como autônomos, prestando serviços para editoras. Basicamente a editora faz a aquisição dos direitos de publicação do livro no Brasil, então contrata colaboradores externos para atuarem na produção do livro. No caso, fazem uma proposta ao tradutor, informando o valor disponível a ser pago e o prazo de entrega do trabalho, então enviam o arquivo original no idioma estrangeiro (no meu caso, o inglês) e assim se vai. Talvez nesse momento haja negociação de preço e/ou de prazo, e uma orientação ou outra da pessoa editora a respeito da obra.
É bem normal que tradutores atuem em vários livros de uma vez, porque dependendo do tamanho do livro, o prazo de tradução pode variar entre dois, três, quatro até, sei lá, nove meses (os calhamaços pedem tempo e disciplina). Então precisamos ter uma excelente gestão de finanças para fazer a coisa toda funcionar. Se passamos três meses trabalhando em um livro, significa que só receberemos dali a quatro, geralmente, pois editoras ainda têm um prazo a mais para o pagamento depois que a entrega é feita.
Logo, temos que nos planejar para atuar em vários livros, assim enquanto trabalhamos em uns, estamos recebendo de outros (e dividindo esses valores ao longo dos meses), do contrário não daria para pagar os boletos. De início pode ser meio desafiador, mas com o tempo e a prática tudo flui com mais facilidade.
Eu tenho uma planilhazinha em que mantenho todos os projetos nos quais estou trabalhando, desde o momento em que aceito a proposta até o momento em que recebo por ela. Tudo fica anotado com o valor combinado da lauda (no mercado editorial, geralmente recebemos por lauda, que é uma quantia de caracteres com espaço, geralmente 2000 ou 2100), os prazos, o tipo de serviço (porque eu não só traduzo, também sou preparadora e revisora), e afins. Assim, quando recebo uma proposta, fica mais fácil de visualizar se consigo encaixá-la na agenda ou não. E também fico de olho para saber se os pagamentos caíram certinhos nas datas previstas etc.
E ao longo dos dias, posso ou intercalar um dia trabalhando em um livro e no outro dia, em outro, ou dividir: manhã para um livro, tarde pro outro, e assim vai. Eu geralmente estabeleço metas diárias por quantidade de páginas que preciso traduzir. E essa meta é estabelecida de acordo com o prazo, a temática/gênero do livro, e outras obrigações a cumprir no dia… (trabalhando de casa parece sempre haver um monte).
Tem também quem estabeleça metas de acordo com as laudas, com capítulos, e por aí vai. Tradutores têm rotinas parecidas, mas às vezes os pormenores vão mudando.
Livros autorais publicados por Gabriela. Fotos: Arquivo Pessoal
Quais você enxerga terem sido os seus maiores feitos e as suas maiores conquistas nessa trajetória?
GA: Olha, este ano eu fui convidada a dar uma oficina de tradução de fantasia para um evento de tradução online da Unicamp, o “E por falar em tradução”. Fiquei muito honrada e muito nervosa (porque tenho pânico de falar em público), e o evento ainda vai acontecer em novembro. Apesar de eu estar trêmula (risos), fiquei contente por ser reconhecida como alguém que pode acrescentar ao tema, porque sou nova nesse mundo.
Comecei a trabalhar com editoras em 2021, mas ao longo do tempo com certeza fantasia foi e é o gênero com o qual mais trabalhei/trabalho. Então, no evento vou falar sobre criação de terminologias em livros de fantasia e também tradução de livros que são sequências de livros anteriores de séries.
Acredito que vá ser um momento bastante especial e, com certeza, é um marco para mim no campo profissional.
Você já fez parte de livros muito esperados, como “Casa de Chama e Sombra”, “Uma Alma de Cinzas e Sangue” e “O Trono do Prisioneiro”. Como você se sente sabendo que tanta gente vai ler algo que você ajudou a pôr no mundo? Sente uma responsabilidade grande em cuidar bem dessas histórias que tanta gente ama?
GA: Eu me sinto… metade extasiada e metade apavorada (risos). É uma responsabilidade muito grande trabalhar em séries que já são adoradas, que já possuem fãs etc., porque lidar com expectativas é sempre algo grande e importante.
Ao mesmo tempo, é incrível ver uma foto, um vídeo ou um livro na mão de alguém na rua e saber que aquelas palavras ali fomos nós que transpomos, nós que contribuímos para que aquela edição existisse do jeitinho que existe. É uma responsabilidade que vale a pena.
Trabalhar com cultura tem muito da paixão, do ímpeto e do amor pelo que se faz. A literatura, sobretudo, não é uma área fácil e nem tão consumida no país quanto gostaríamos, então muitas vezes a gente pode se sentir meio invisível, meio deixado de lado e tudo mais. Só acreditar no que a gente faz, faz com que sigamos aqui, e faz com que voltemos também.
Acho que esse amor aproxima quem trabalha com livros de quem lê, e essa é uma conexão muito especial para profissionais dos livros. Torna a coisa mais íntima e gratificante.
Livros best-sellers traduzidos por Gabriela. Fotos: Divulgação
E pra finalizar, qual a importância da sua profissão?
GA: Traduzir é criar possibilidades, é viabilizar o acesso e a democratização da arte. Nem que passemos a vida toda estudando idiomas, não teríamos como aprender todos os idiomas do mundo a ponto de ler em todos eles. Quando traduzimos uma obra para o português, estamos dando a oportunidade para que várias pessoas consumam um livro que talvez elas não conseguissem acessar no original do melhor jeito.
Até porque para traduzir não basta só saber o idioma estrangeiro, tem que saber (e muito) do português. Tem que entender de técnicas de tradução, de literatura, de pesquisa (pois fazemos muitas), de mundo (pois traduzimos de vários lugares e culturas). Tem que ler muito, tem que analisar o que tradutores fizeram em suas traduções, aprender com as soluções incríveis que eles encontram.
E por mais que muita gente fale sobre as perdas que há nas traduções, eu gosto de ressaltar os ganhos. De uns tempos para cá, comecei a descrever meu trabalho como a arte de criar e recriar mundos. Criar, enquanto autora; recriar, enquanto tradutora.
E digo recriar no sentido de que, às vezes, quando traduzimos uma expressão idiomática ou inserimos no texto um ditado muito popular e cultural, uma piadinha famosa por causa de uma novela, por exemplo, estamos dando ao texto uma camada que ele não poderia ter de outra forma. Uma camada que só vai existir no livro em português, e porque este livro em português foi pensado por uma pessoa tradutora específica que teve essa sacada genial para a história.
Traduzir tem muito de autorar também, tem muito da criatividade, da sensibilidade, da percepção de mundo. Traduzir tem muito de quem traduz. Então a gente tem a ganhar, a gente ganha quando acessa uma mensagem que veio de dentro de alguém.
Às vezes a tradução muda, às vezes troca de lugar, pois é necessário, adaptar é preciso. Só que hoje digo que tradução não tira, e sim dá.
O trabalho de Gabriela pode ser acompanhado pelo Instagram @gabsdaraujo
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