Petropolitana que perdeu o pai para o suicídio fala sobre como lidar com o luto
[Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio]: Flavia Justen presenciou a morte do pai aos 19 anos e comenta como a família teve que lidar para se livrar do sentimento de culpa
Nesta terça-feira, 10 de setembro, é celebrado o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio, data que reforça a importância da conscientização sobre os transtornos mentais. Mas e quando estes problemas não são tratados e o autocídio acontece? Como lidar com o luto daqueles que ficam? Para confortar de alguma forma os que passam por isso, conversamos com a petropolitana Flavia Justen, que aos 19 anos, perdeu o pai após suicídio.
Foto: Divulgação
“Quando as pessoas falam sobre o suicídio é sempre no lugar dos sinais, se ninguém percebeu ou se não fizeram nada para ajudar aquela pessoa. Já é difícil perder alguém, e quando nos colocam essa culpa, isso se amplia ainda mais. É preciso falar sobre o suicídio no lugar daquele que fica”, comenta.
O acontecido
A petropolitana comenta que desde muito nova percebia que seu pai tinha algum transtorno não tratado, possivelmente bipolaridade ou TOD. Segundo ela, a família dele já tinha conhecimento de tentativas em sua juventude.
“Ele era muito raivoso, tudo o incomodava ao extremo. Ele saia muito, vivia na borda da vida. Tinha vários episódios onde ficava totalmente irreconhecível, fazia uso de bebida, tinha outros vícios. Eu tinha um encantamento muito grande pela vida e era difícil lidar com isso”, declara.
Flavia relata que seu pai tentou tirar a própria vida diversas vezes e que isso não era feito em segredo. “No dia que ele conseguiu, meu irmão estava implorando para ele não se matar e, quando eu cheguei para ajudar já foi a hora que aconteceu”.
Lugar da culpa
Após o ocorrido, vários dedos foram apontados para Flávia, seu irmão e sua mãe. “Querem sempre procurar um culpado. Mas não existe isso. No velório, várias pessoas foram por curiosidade, faziam comentários sem noção. Não éramos enxergados. Em certo momento, pedi até para uma tia levar meu irmão embora. Tudo era muito absurdo”.
Na época, o caso foi parar na imprensa e, em entrevista a um jornal da cidade, um parente de seu pai afirmou que ele havia se matado por conta de uma briga em casa. “Quem morava com ele era eu e meu irmão. Nada havia acontecido. Ele saiu pra beber e, no outro dia de manhã voltou certeiro do que iria fazer. Quando soubemos o que estava sendo falado ficamos muito tristes”.
Processo solitário
Em outra ocasião, um ano após a morte do pai, Flavia conseguiu desabafar com uma amiga pela primeira vez. Dormiu na casa dela e, ao acordar, a amiga disse que não havia conseguido dormir com medo de que Flavia se jogasse da janela.
“Ela me falou isso sem o menor cuidado e ali eu passei a acreditar que este deveria ser um assunto para tratar sozinha. E foi assim por muito tempo”, afirma.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Importância da terapia
Após o fato, Flavia lidou com o caso num lugar de distanciamento, como se não tivesse ocorrido com ela. Mas, em 2016, após uma forte crise de pânico, ela se deparou com um luto mal cuidado, que desencadeou um transtorno de ansiedade e a necessidade de fazer terapia.
“Várias coisas que eu lidava, como medos e paranoias, vinham desse luto. Nas sessões, tentava entender a cabeça do meu pai e até onde eu tinha culpa. Mas uma vez a terapeuta me disse que o caso dele foi por egoísmo e, a partir daí voltei a viver”, explica.
Como lidar com o luto?
Após a morte, no processo de arrumar os pertences do pai, ela encontrou guardadas as cartas que escrevia para ele quando criança, e um caderno com uma mensagem para ela e o irmão, escrita bem antes do acontecido.
“Já adultos, mostrei para o meu irmão. Lemos e escrevemos algo em resposta para o nosso pai. Fomos numa cachoeira e entregamos as cartas, como se fosse um velório só nosso, para nos despedirmos oficialmente dessa dor. Foi algo bem gostoso e uma forma de acessar esse lugar com quem passou por tudo junto comigo, já que era bem difícil falarmos sobre”, conta.
Para as famílias que estão passando por isso, ela deixa uma recomendação. “Diria que agora é hora de cuidar de você. Procurar ajuda especializada e peneirar bem os ouvidos para tudo o que você vai ouvir, porque tem muita gente com falta de empatia e é possível que, vez por outra, você seja colocado como o culpado pelo que aconteceu”.
Conscientização
Hoje, Flavia trabalha como educadora e contadora de histórias, atendendo, também, crianças e adolescentes no programa de inclusão educacional. “Como professora, percebo o quanto é difícil para as mães cuidarem de crianças atípicas e também de jovens e adolescentes desmotivados com a vida. Fico sempre preocupada com eles e com os meus filhos, mas busco o caminho da conscientização”.
A petropolitana finaliza dizendo que, após muita terapia e orações, finalmente consegue lidar bem com tudo o que aconteceu. “Torço para que ele esteja bem, celebro a memória dele com carinho e agradeço por ele ter me trazido para este planeta. Sou grata por poder cuidar de mim”.