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Arquiteta petropolitana recebe três prêmios com projeto sobre a Comunidade 24 de Maio pós-tragédia

Educação

Arquiteta petropolitana recebe três prêmios com projeto sobre a Comunidade 24 de Maio pós-tragédia

Anna Clara de Cássia Bernardo de Souza propôs a criação de um Centro Comunitário para prevenção a desastres futuros

A maior tragédia climática de Petrópolis completou dois anos neste mês de fevereiro e, na época, um dos locais mais atingidos foi a Comunidade 24 de Maio, no centro da cidade. E foi este o tema do Trabalho Final de Graduação (TFG), premiado três vezes, da arquiteta Anna Clara de Cássia Bernardo de Souza, discente do campus Petrópolis da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Foto: Arquivo Pessoal

Intitulado “CRIA: Decolonialidade e Resiliência em favelas – Plano de intervenções da Comunidade 24 de Maio no cenário pós desastre socioambiental”, o projeto entrou para a lista de melhores TCCs de 2023 do Archdaily, o maior site de arquitetura do mundo; recebeu uma menção honrosa na categoria “Edificações” do 40° Prêmio Arquitetas e Arquitetos do Amanhã, do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ); e ficou em 1° lugar na categoria de TCC do Prêmio Darcy Ribeiro, na 32ª UERJ Sem Muros.

“Após dois anos da tragédia, muitos moradores ainda convivem diariamente com os escombros das casas atingidas e temem as próximas chuvas, sem a garantia de sua segurança. Nesse trabalho, como ex-moradora da comunidade, faço uma pesquisa sobre as histórias, as dinâmicas e as demandas cotidianas, além dos impactos pós desastre socioambiental de 2022, traçando uma contextualização da comunidade a partir do olhar do próprio morador”, explica Anna.

Assim, a profissional elaborou uma proposta projetual do chamado “Centro Comunitário da Comunidade 24 de Maio”, que tem como principal objetivo a prevenção a desastres futuros. “O espaço busca proporcionar um ambiente seguro e preparado para servir como abrigo em situações emergenciais, assim como, garantir o suporte técnico e psicológico para minimizar os impactos de futuros eventos que possam vir a acontecer”.

Foto: Arquivo Pessoal

O Centro 24 de Maio

A escolha do terreno para a implantação do projeto propõe a reestruturação dos arredores e da área ocupada pela quadra poliesportiva da comunidade, local de apropriação comunitária que, após o desastre de 2022, foi gravemente afetado por um deslizamento.

“Se adaptando ao aproveitamento da estrutura preexistente da quadra, a arquitetura se desenvolve em três pavimentos, que se integra a rua por meio de circulações públicas destacadas em vermelho”, elucida a arquiteta

O projeto prevê espaços de suporte a realização das atividades comunitárias, acompanhamento técnico e social, pesquisa, monitoramento e planejamento urbano. Além de promover áreas de caráter público, como o terraço e quadra esportiva, no terceiro pavimento, e a praça escalonada, adjacente a edificação, que conta com horta comunitária, memorial e mirante. Em dias de chuva, todo o espaço tem a flexibilidade e preparo de se transformar em um abrigo emergencial.

“O conceito do projeto se estrutura a partir da palavra CRIA, um termo muito utilizado nas favelas para definir aqueles que cresceram no lugar. Então assim o projeto se estabelece a partir da relação com o local e busca revelar a identidade, pertencimento e orgulho daqueles que ali vivem. A ideia é, a partir da adaptabilidade e criatividade, reinventar a realidade local, se associando as raizes de conquista do seu próprio espaço”, comenta.

Foto: Arquivo Pessoal

Inspiração

Anna sempre percebeu que, no lugar de onde veio, muitos constroem suas casas com as próprias mãos e, aos poucos, o sonho de uma vida vai sendo construído. Assim também foi com a dela. Seu pai, soldador, e sua mãe que, apesar de não seguir o caminho das construções como profissão, sempre se esforçou pela necessidade, foram quem construíram a casa na qual Anna viveu.

Com o tempo, esses conhecimentos foram apresentados a ela, que viu na arquitetura uma forma de unir os saberes práticos passados por seus pais à técnica ensinada na faculdade.

“Quando era mais nova, achava que arquiteto era coisa de gente rica, algo muito distante, que não fazia parte do contexto em que eu vivia. Hoje, como arquiteta que nasceu e cresceu em uma comunidade, sei que a democratização da arquitetura é fundamental para a melhor qualidade de vida de todas as pessoas. E poder ajudar na ampliação do acesso à arquitetura por pessoas de diferentes realidades se tornou meu principal objetivo”, reforça.

Foto: Arquivo Pessoal

Dificuldades

Para cursar arquitetura, são necessários alguns materiais caros e de difícil aquisição, como um bom computador, por exemplo. Para ajudar, a jovem sempre contou com a sua mãe, que preparava doces e salgados para Anna vender na faculdade.

“Esse sonho não era só meu, sempre foi compartilhado por cada pessoa que me ajudou a conquistar esse diploma. Essas premiações representam o início de tudo que ainda pretendo trazer de positivo a todos que cruzaram meu caminho com bons ensinamentos. Sempre digo que esse trabalho foi construído por muitas vozes, muitas pessoas trabalharam junto comigo nessa pesquisa e também tem a esperança de que um dia a construção desse Centro Comunitário possa se tornar uma realidade”, declara.

Importância do tema

No dia 15 de fevereiro de 2022, a comunidade foi gravemente afetada pelas chuvas. Anna relata como foi vivenciar tudo o que aconteceu:

“Da varanda vi as casas dos vizinhos desaparecerem na lama como papel. Esse dia estará para sempre presente em nossas memórias. A cada gota de chuva que cai, o medo volta. Mesmo após 2 anos dessa marcante tragédia, nossa comunidade não se sente segura. Nós não esqueceremos, a cidade não pode esquecer. E não podemos deixar que todo esse sofrimento volte a atingir nossa população”.

Foto: Arquivo Pessoal

Perspectiva dos moradores

Anna acredita que seu trabalho se diferencie por contar a história e propor soluções através da perspectiva do morador.

“Vemos muitos projetos para as comunidades onde os próprios moradores não sabem o que será feito. Possivelmente, projetos concedidos dessa forma genérica, não terão a apropriação popular planejada pois não refletem as necessidades reais da população”, afirma.

A arquiteta finalizando dizendo que “em Petrópolis, ainda há muito o que ser feito. O tempo não apagará toda a dor sentida por cada um dos moradores, precisamos de medidas reais, eficientes e que sejam pensadas especificamente para cada contexto. Somos nós que conhecemos a fundo os problemas cotidianos e potencialidades que nos cercam. É importante ter um olhar de dentro da comunidade para dentro da comunidade. E ter a participação ativa dos moradores é fundamental para qualquer pensamento sobre esses espaços”.

Assista a apresentação do trabalho:

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