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Negros petropolitanos relatam como é viver na 3° cidade do Estado com mais casos de racismo

Cidade

Negros petropolitanos relatam como é viver na 3° cidade do Estado com mais casos de racismo

[Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial] Apagamento histórico, falta de diversidades em alguns setores e conservadorismo são pontos colocados pelas pessoas negras que vivem Petrópolis

Neste 3 de julho é celebrado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. Pensando nisso, conversamos com algumas pessoas negras petropolitanas e fizemos a mesma pergunta para todas: “Como é viver na 3° cidade do Estado com mais casos de racismo? De que forma esse preconceito afeta a sua vida?”. 

Foto: Drone Serra

Registros de casos de racismo

Dados do Dossiê Crimes Raciais, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP-RJ), apontam Petrópolis como a terceira cidade com mais casos de discriminação racial. Com 300 mil habitantes, foram registrados nos anos de 2018 e 2019, respectivamente, 22 e 29 crimes. Em 2020 houve uma queda no número de ocorrências – 12. Porém, já em 2022, o patamar subiu para 20. Niterói, com mais de 500 mil habitantes, registrou 36 denúncias durante o mesmo período. 

Crime

O racismo no Brasil é crime previsto na Lei n. 7.716/1989. É inafiançável e não prescreve, ou seja, quem cometeu o ato racista pode ser condenado mesmo anos depois do crime.

Ações

A população negra de Petrópolis conta o serviço Disque Antirracista (0800-024-1000). O número é disponibilizado direto para denúncias e oferece assistência jurídica, psicológica e assistencial às vítimas de racismo na cidade.

Educação

O país que deu aos negros um trabalho escravo durante três séculos, vem registrando aumento dessa população nas universidades, consequentemente, em  importantes postos de trabalho. Ainda assim é difícil se desfazer totalmente das heranças coloniais que se expressam, até os dias de hoje, nas relações sociais por meio de discriminações sutis e veladas. 

Discriminação

São falas, olhares, gestos e recusas que levam ao apagamento da população negra em diversas áreas e setores em Petrópolis. Questionados sobre como é viver na cidade e como a cor da pele já interferiu em suas vidas, veja o que alguns petropolitanos dizem.

Edmilson Antonio Silva, 44 anos – graduado em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Petrópolis (poliglota)

Foto: Arquivo pessoal

“Uma vez eu coloquei meu currículo em uma pousada, no Centro da cidade. Recebi uma ligação do proprietário do estabelecimento relatando que estavam precisando de uma pessoa com o meu perfil, já que falo nove línguas, gosto da rede hoteleira e sou graduado em relações públicas. No dia da entrevista, fui atendido pelo mesmo que havia me ligado. Ele me olhou com desprezo e perguntou o que estava fazendo lá. Disse que era o profissional para a possível vaga. Prontamente, disse que só me chamou para conhecer. Não havia foto no currículo. Depois fiquei sabendo que o selecionado para a vaga foi uma pessoa, não negra, com um currículo inferior ao meu”.

Veja também: História do cobrador de ônibus de Petrópolis que fala 10 idiomas viraliza na internet

Priscila Pires,  38 anos – graduada em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá

Foto: Arquivo pessoal

“Há muito racismo em Petrópolis, sim. Infelizmente, porém, na maioria das vezes é aquele racismo velado, disfarçado de opinião e manifestado de forma muito ‘educada’. Já fui preterida algumas vezes em entrevistas de emprego, mesmo tendo mais experiência e demonstrando mais desembaraço. Mas é aquela típica situação difícil de comprovar, mas quem passa por isso sabe exatamente como é. E pelo simples fato da cor da nossa pele, principalmente profissionalmente, segue afetando diariamente no cotidiano quando sou seguida numa loja de departamento pelo segurança, por exemplo. Só que é difícil guerrear diariamente, a vida é mais que isso, por isso, precisamos escolher nossas batalhas, até mesmo para preservar nossa saúde mental”. 

Pamela Mércia, 31 anos, graduada em Gestão Ambiental pela Unopar

Foto: Arquivo pessoal

“Não tem ninguém que não seja branco no Brasil, que não tenha vivido racismo. O racismo atravessa minha vida em vários aspectos. Em Petrópolis já passei por vários casos, seja de forma explícita ou velada. São comentários disfarçados de brincadeiras, até injúria. O estrutural quando me coloca em uma posição na sociedade de ter que lutar mais que os não brancos à minha volta. O institucional quando vejo pessoas trabalhando na mesma área que eu e poucos capacitados, de formação ou experiência, e quando falo do racismo ambiental tenho o dobro de trabalho para tentar manter o local de trabalho que criei – Instituto TJNS, me afetando diretamente no meu financeiro”.

Rafael Chino, 34 anos – graduado em Comunicação Social e Publicidade e Designer pela Universidade Estácio de Sá

Foto: Arquivo pessoal

O racismo não é apenas um traço de caráter, é uma expressão de uma sociedade racista. Quando falamos sobre racismo estrutural, não é sobre um racismo natural, é exatamente o contrário, quer dizer que devemos livrar as nossas instituições disso. O que acontece é que o racismo toma diferentes formas em cada local. Em Petrópolis falta diversidade. Potencialmente a isto, a cidade tem um profundo orgulho de sua herança europeia. Ou seja, temos uma supervalorização daquilo que é europeu e quase nenhuma valorização daquilo que tem origem africana. Temos uma festa alemã, temos até uma festa da cultura japonesa, mas qual festa celebra a cultura africana? A  lei nº 10.639, sobre ensino das diferentes etnias que compõem o povo brasileiro (incluindo as africanas e as indígenas), poderia resolver isto, mas ela tem apenas 20 anos de sua implementação. É um tempo muito curto para ter uma transformação social significativa, porque muitas pessoas cresceram sem nenhuma referência diferente da Europeia. Digo até por mim, afetando a minha auto-estima estética e até mesmo minha auto-imagem. O ser humano é social e busca referências que conversem com suas dores. Só que quando cheguei em alguns lugares, eu estava sozinho. Eu não tinha muita referência de quem conversar sobre o que eu vivia. Era uma jornada muito solitária. Então quando entrei em contato com outros grupos de conversa sobre negritude, eu entendi que não era paranoia. De que aquilo que eu sofria tinha nome – branco é universal. Ele pode ser tudo, ele pode ser todas as possibilidades. O branco nem se identifica como pessoa branca, ele se acha o ser humano padrão. O preto já nasce estigmatizado. Ele é diferente, é o outro”.

Nota da repórter

São inúmeras as histórias que se encontram quando falamos de preconceito racial. Comemoramos o avanço da inserção de um negro no ensino superior. Mas ainda há muito que se chamar atenção. Os problemas que dificultam ou mesmo impedem a colocação de uma pessoa não branca a um cargo de chefia em uma empresa, ou seja, a constatação do porquê o racismo é estrutural. Temos muito a pensar e a fazer para a construção de uma sociedade mais justa e digna. Não basta só comemorar as conquistas, pois há muito o que se lutar para garantir e fazer valer os direitos para a população negra.

Tipos de racismo

Estrutural

Presente na estruturação de uma sociedade. Ou seja, é o resultado de um processo histórico de desigualdade e desvantagens para os negros. No Brasil,  há uma série de acontecimentos que afastaram a população negra da cidadania e do poder. Acontecimentos esses que resultaram em um racismo que está tão enraizado na sociedade, que acaba por ser difícil de identificar. 

Recreativo

Presente no entretenimento, geralmente associado ao humor. Trata-se de expressões de racismo que tendem a ser desvalorizadas pela sociedade porque são feitas ou ditas em momentos de descontração e divertimento. O racismo recreativo afirma ideias estereotipadas e de desmoralização diante do grupo hegemônico. 

Institucional

É quando se faz parte das medidas do estado, de uma empresa ou outros tipos de organização..

Individual

É a discriminação direcionada a uma pessoa especificamente, em uma determinada situação, devido a sua cor ou etnia. São agressões como insultos racistas, utilização de estereótipos, exclusão em ambientes escolares ou de trabalho.

Cultural

É o tipo de racismo relacionado à ideia de que uma cultura é superior a outra. 

Ecológico ou ambiental

Quando é negado ou negligenciado o acesso ou a manutenção de um ambiente saudável a um grupo.

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