Conheça Brunnè, artista transmasculino que vem se destacando no cenário musical de Petrópolis
[ Dia Nacional da Visibilidade Trans] O Loba, como também é conhecido, conta sobre sua vivência, arte, desafios e reconhecimento
Neste dia 29 de janeiro é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data que visa amplificar a voz e o protagonismo dessa população que, muitas vezes, é esquecida e marginalizada. Nesta data, conheça a história de Brunnè, ou Loba, como também é conhecido, artista transmasculino que vem se destacando no cenário musical de Petrópolis.
Foto: @balbino.x
Início
A trajetória de Loba na música começou aos 12 anos, quando, através do jogo Guitar Hero III, ele decidiu aprender a tocar as músicas que tanto amava jogar. Passou pelos clássicos do rock internacional como Metálica, Slipknot e Guns and Roses, e os nacionais como Fresno e Cazuza, até se encontrar no rap aos 17 anos.
“Conheci as batalhas de rap que aconteciam no Centro de Cultura através de uma amiga. Lám eu senti a mesma emoção de quando ouvia o Cazuza cantar. Encontrei liberdade na escrita, com o rap entendi o que é poesia, política e compromiso”, comenta.
O petropolitano fez parte de um coletivo, onde cantou pela primeira vez e, desde então, não parou mais. Hoje, classifica seu estilo como experimental, melancólico e contemporâneo, mas sempre utilizando referências do hip hop, rap, bossa nova e música clássica.
“Gosto de pintar e bordar no que dizem ser proibido, intocável. Minhas letras são poesias sobre fragilidade na saúde mental, gênero, confronto religioso, e também sobre amor”, explica.
Foto: Divulgação
Autoconhecimento
Brunnè define sua trajetória de autoconhecimento como algo bonito e libertador, mas, ao mesmo tempo, doloroso e amedontrador. Foi há pouco tempo, já adulto, que se reconheceu totalmente.
“Sempre soube que não era mulher. Só que não me enxergava como homem. Não me identificava com o que diziam sobre ser homem. Não existiam referências no cinema, na música, na família ou na escola. Era fácil saber o que eu não era, mas e o que eu era?”, reflete.
Na mídia, as duas únicas referências de homens trans eram o ator Tarso Brant e o Thammy Miranda. Porém, Loba comenta que os dois ainda estavam em um padrão do que é ser masculino pelos olhos da cisgeneridade (condição em que o gênero conferido ao nascer é o aceito).
“Cresci odiando o nome que meus pais haviam me dado, odiando meus seios, sendo metamorfose ambulante e sempre insatisfeito. Minha expressão de gênero era vazia, eu estava perdido”, compartilha.
Até que uma amizade lhe apresentou o termo “não-binário” e, quanto mais falavam sobre o assunto, mais Brunnè se reconhecia. “Eu sabia que tinha achado o caminho. Continuei estudando sobre e conheci o termo transmasculino. Tive a certeza de que tinha me encontrado. Vi meninos como eu e chorei tanto. Um equilíbrio entre alegria e tristeza”, menciona.
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Abandono
Após se identificar e decidir se abrir para o mundo, as agressões, que antes eram emocionais e verbais, se tornaram físicas. Saber quem ele era o deu forças e coragem para se impor, mesmo com medo. Mas, durante o ápice da pandemia, o artista foi expulso de casa.
“Alguém que supostamente deveria me amar, ou ao menos me respeitar, me tirou a dignidade. Fiquei devastado, mas graças aos céus eu sou abençoado com os melhores amigos que alguém poderia ter e fui acolhido por eles. Meus amigos são a minha família”, afirma.
Ser trans em Petrópolis
Por se tratar de uma cidade tida como “do interior”, Petrópolis não é das mais fáceis para uma pessoa LGBTQIA+ viver. Para Brunnè, a falta de debates e a invisibilização da comunidade são dois dos maiores problemas.
“Na escola, tinham nojo de mim. No meio evangélico, eu era visto como doente. Nas ruas, os conservadores nos xingavam, éramos marginais, aberrações, demônios. Até hoje ainda carrego no peito a culpa cristã que me faz acreditar que eu deva ser condenado só pela minha existência, eu sei como soa absurdo, mas tenho aos poucos me curado dos traumas que me feriram”, assume.
Ele acrescenta que é necessário que a população LGBTQIA+ e os aliados se apoiem e lutem juntos. “Queremos ser vistos, ouvidos, valorizados e amados. Nós sempre existimos, sempre estivemos aqui”.
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Melhorias necessárias
Uma iniciativa que, de acordo com o petropolitano, poderia ajudar, e muito, a população trans da cidade, em especial as em vulnerabilidade social, é uma casa de acolhimento para a população, assim como a Casa Nem, no Rio de Janeiro, e a Casa 1, em São Paulo.
“Precisamos de políticos que lutem em projetos por nós, professores que ensinem sobre nós, profissionais da saúde que cuidem de nós, empresas que nos contratem e amigos que nos abracem”, propõe.
Assassinato da população trans
Segundo o relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 131 pessoas trans foram assassinadas em 2022. Vale ressaltar que estes números estão subnotificados, visto a dificuldade em encontrar estas informações publicamente.
“Com dor no coração, digo que precisamos também de justiça. Criminosos que assassinam travestis em praças públicas não podem ser esquecidos. Eles precisam ser reponsabilizados por suas barbáries”, manifesta.
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Música e representatividade
Nos seus primeiros trabalhos musicais, Loba trazia a transgeneridade de forma sútil. Hoje, sem o medo que o segurava, está produzindo um álbum onde traz sua identidade com mais força. “Quero que meninos como eu, nunca se sintam sozinhos como eu me senti e os da minha geração se sentiram”.
Sobre a importância e responsabilidade de representar a comunidade trans, Brunnè finaliza dizendo que “me sinto como um soldado de guerra, disposto a morrer em defesa da minha comunidade”.
O trabalho do artista pode ser acompanhado pelo Instagram @brunnekamal e pelo Spotify.