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Petropolitanos relatam medo quando há previsão de chuva

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Petropolitanos relatam medo quando há previsão de chuva

Quando a chuva cai à noite, o sono é interrompido e tomado pelo medo de que uma nova tragédia aconteça

Ao menor sinal de chuva, a resposta dos petropolitanos é a mesma: receio. Em função das duas enchentes recentes no município, moradores têm relatado o medo frente as previsões do tempo. São crianças, jovens, adultos e idosos que se dizem inseguros dentro de seus próprios lares. Muitos expressam, inclusive, a vontade de se mudar de cidade para, enfim, recomeçarem.

Pedra da 24 de Maio (Rua Nova) – Foto: Mariana Rocha

Se a previsão é de chuva, os petropolitanos fazem o possível para remarcarem seus compromissos no Centro e permanecerem em casa. Quando a chuva cai à noite, o sono é interrompido e tomado pelo medo de que uma nova tragédia aconteça. Fernanda Pereira é mineira e, há dez anos, passou a residir em Petrópolis. Esta semana, ela se mudou de volta para Minas. “Viver assim não dá, descreveu”.

Moradora do Chácara Flora, Fernanda estava na confecção em que trabalhava no momento das chuvas do dia 15. Pelo marido, soube que a casa em que o casal residia com os filhos de 5 e 2 anos havia sido tomado pela enchente. “Já tinha água em todos os quartos e sem vazão para sair. Ficamos puxando e, por fim, ele foi no quintal tentar fazer a água escorrer. Quando ele estava saindo, caiu uma barreira. Por pouco não caiu em cima dele”.

Naquele dia, a mineira, por sorte, não havia enviado a filha para a creche. Da sala da menina, três crianças faleceram devido à tragédia depois de serem buscadas pelos pais naquela noite. Fernanda relata o ambiente que se formou no entorno da sua casa e que tornou difícil continuar na cidade. Com as chuvas do dia 20 de março, o imóvel da família voltou a ser atingido pela enchente. Foi a gota d’água para que o casal decidisse se mudar.

“Com isso tudo da chuva, desceram quatro casas acima da minha. Morreram amigos, vizinhos que a gente conhecia. E o cheiro. Os bombeiros e a Defesa Civil não tinham conseguido chegar ainda. Foi muito difícil. Eu nunca passei por nada disso. Minha filha, de 5 anos, ficou um pouco traumatizada por causa da chuva. E eu também. Aqui onde estamos agora não tem perigo, mas eu sinto medo”, relata Fernanda.

A reconstrução da cidade e de suas pessoas

Quem também descreve o receio frente às chuvas é a capixaba Teresa Azevedo, de 54 anos. Teresa tinha 3 anos de idade quando se mudou para Petrópolis. Aos 18, vivenciou a tragédia de 1988. Na ocasião, ela perdeu a avó e o emprego, já que trabalhava na Rua Teresa e, na época, a via também foi uma das regiões mais atingidas na cidade. Desolada, ela decidiu retomar a vida no Espírito Santo, junto do irmão.

“Meus pais continuaram a morar aqui, mas eu fiquei muito triste e pensei: como vou viver?”. Teresa residiu em seu estado de origem por 20 anos. Se divorciou e, em seguida, voltou a Petrópolis. Com isso, vivenciou as chuvas de 2011 – ocasião em que uma barreira caiu próximo de sua casa – e, agora, as de 2022. Desde fevereiro, ela fez de sua residência, no Quitandinha, ponto de coleta de doações trazidas por motoclubes de diferentes cidades.

Foto: Mariana Rocha

Embora não more em área de risco, a capixaba fala sobre a insegurança tida pelos moradores, independente da região em que vivam. “Meus amigos me perguntam se estou segura, mas em todo lugar você fica naquela expectativa. É tristeza por todos os lugares por onde a gente passa. Noite passada minha neta acordou preocupada com a chuva. Ela tem seis anos. Até criança fica com medo”.

Dada sua experiência de mudanças, Teresa ponderou, novamente, se valeria a pena ou não se mudar mais uma vez. “Sinceramente, me deu vontade de ir embora. Minha filha morava na Bahia e falou da gente sair daqui, mas enchente tem em quase todos os lugares. Já teve em Vitória, Linhares. Está complicado. Difícil. Temos que entrega nas mãos de Deus porque ele sabe o que faz”.

Para a psicóloga e psicanalista Flávia Gonzalez, o sentimento de medo e a sensação de vulnerabilidade marcam o período posterior ao acontecimento trágico, o que, muitas vezes, leva aqueles direta e indiretamente afetados pelo ocorrido a pensar em se afastar da cidade como uma tentativa de reconstrução da subjetividade. Ela ressalta, contudo, que existem outros formas de trabalhar esse processo de reconstrução.

“A reconstrução de cada pessoa traumatizada pode ocorrer lado a lado com a reconstrução da cidade e dos espaços. As chuvas do dia 20 dificultam esse processo porque temos que recomeçar, outra vez, agora ainda mais cansados e enlutados. É fundamental que haja um programa de reconstrução subjetiva, o que inclui a assistência social,  a saúde mental, a moradia, a economia e a saúde física”, conclui.

Confira, clicando aqui, alguns projetos que oferecem de maneira gratuita o apoio psicológico neste momento de tragédia na cidade.

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