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[Entrevista] Como cuidar da saúde mental das crianças e adolescentes? Médica de Petrópolis explica

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[Entrevista] Como cuidar da saúde mental das crianças e adolescentes? Médica de Petrópolis explica

Lyvia Crivelaro responde a questionamentos sobre saúde mental infantojuvenil, envolvendo temas como pandemia e redes sociais. Segundo a OMS, apesar de serem subdiagnosticados, metade dos transtornos mentais tem início na adolescência

O tema saúde mental tem sido cada vez mais discutido principalmente entre jovens e adultos, mas é importante também estar atento à saúde mental de crianças e adolescentes.

Estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que, apesar de serem subdiagnosticados, metade dos transtornos mentais tem início na adolescência – em torno dos 14 anos.

Além disso, a pesquisa mostra que um em cada seis meninos e meninas com idade entre 10 e 19 anos possui algum transtorno mental diagnosticado, sendo a depressão uma das principais causas de adoecimento e incapacidade nessa faixa etária.

Arquivo Pessoal: Lyvia Crivelaro

Médica de Petrópolis, Lyvia Crivelaro, fala sobre a importância de manter o diálogo aberto com crianças e adolescentes e como detectar se é preciso pedir ajuda.

Lyvia é médica, pós-graduada em psiquiatria com extensão em psiquiatria da infância e adolescência pela PUC-Santa Casa-RJ, mestre em Psicologia e professora de Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Petrópolis.

1) Por que é importante ter abertura com os jovens para falar sobre saúde mental?

Além dos dados revelados pela OMS, sabemos que o suicídio é responsável pela quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos de idade.

Apesar das estatísticas alarmantes, nota-se que ainda há um grande estigma acerca dos transtornos mentais, principalmente na população infantojuvenil, o que dificulta a abordagem precoce e prevenção de desfechos negativos.

É importante orientar os pais, cuidadores, familiares e professores que abordem a temática da saúde mental com as crianças e adolescentes com a mesma seriedade e importância dadas às doenças físicas.

Para reduzir o preconceito em torno do tema, é preciso conversar a respeito, de forma séria, com uma escuta empática, compreensiva e sem julgamentos.

Isso deve ocorrer de forma que o diálogo funcione no sentido de detectar para prevenir essas mortes precoces evitáveis, causadas em sua maioria por transtornos mentais potencialmente tratáveis, se diagnosticados precocemente.

É preciso que o público infanto-juvenil seja percebido, ouvido e acolhido e que seus sentimentos e angústias sejam considerados e validados.

2) Quando identificar quando crianças e adolescentes precisam de ajuda?

Devemos prestar atenção nos sinais e sintomas que indiquem uma mudança de comportamento persistente da criança ou do adolescente em comparação a um padrão anterior de funcionamento, que tragam consequências e prejuízos em diversas esferas, causando sofrimento e impacto em sua qualidade de vida.

Podemos observar com atenção os sentimentos persistentes de tristeza, desesperança, baixa autoestima, falas com frases depreciativas sobre si mesmo, desânimo excessivo e alterações sustentadas do apetite e sono (tanto para mais quanto para menos).

Também é importante estar atento à perda de interesse ou prazer em realizar atividades que antes eram prazerosas, humor mais irritável, comportamentos agressivos frequentes, agitação, sentimentos de culpa, preocupações excessivas com pensamentos de morte, de conteúdo pessimista, obsessivo, catastrófico ou paranóico.

É preciso observar ainda quando há afastamento do grupo de amigos e preferência por ficar sozinho, maior introspecção, choros frequentes e medos excessivos. Observar se houve queda importante do rendimento escolar, devido a baixa concentração, desmotivação, dificuldade de aprendizado e questionar sobre bullying.

Foto: Luciano Moraes / Agência RBS – Imagem Ilustrativa

3) Qual tipo de atenção deve ser dada às redes sociais?

É importante verificar as publicações dos adolescentes nas redes sociais, principalmente se há conteúdo negativista ou que indique sofrimento psíquico, assim como postagens contendo frases depreciativas sobre si mesmo ou letras de música que contenham pedidos de ajuda.

É aconselhável o uso controlado das redes sociais durante os momentos de lazer, preferindo atividades físicas ao ar livre, em contato com a natureza, em parques ou praças, com os cuidados de higiene sendo devidamente tomados.

Além disso, é recomendável que crianças e adolescentes tenham uma boa noite de sono restaurador, evitando o uso de telas duas horas antes do horário de dormir e seguindo as recomendações de horas de sono por noite de acordo com cada idade.

4) O isolamento social contribuiu para o agravamento da saúde mental infanto-juvenil?

O contato social é inerente ao comportamento humano e fundamental para o desenvolvimento cerebral.

Sua privação trouxe consequências diferentes para cada faixa etária: as crianças menores sofreram com a falta de estímulo de habilidades sociais e cognitivas, sendo o atraso do desenvolvimento da fala uma queixa frequente durante a pandemia.

Já para as crianças mais velhas e os adolescentes, deve-se levar em consideração como era o funcionamento social pré-pandemia: para aqueles que buscam mais ativamente relacionamentos interpessoais, identificação com os pares e sensação de pertencimento, em geral o isolamento trouxe sentimentos de solidão e tristeza.

As atividades de lazer e diversão também foram restringidas, contribuindo com opções limitadas de válvulas de escape para alívio do estresse.

A modalidade de ensino online somada às poucas opções de lazer devido ao isolamento trouxeram uma maior exposição ao uso de telas, que por sua vez, em excesso, aumentam o risco de distúrbios de sono e de comportamento, funcionando como potencial ansiogênico dependendo do conteúdo acessado, além do maior risco de dependência tecnológica.

5) Existe algum estudo sobre a saúde mental dos jovens durante a pandemia?

Há dois meses foi publicada pela JAMA Pediatrics uma metanálise de 29 estudos com mais de 80.800 jovens em todo o mundo, mostrando que a prevalência de sintomas de depressão e ansiedade em crianças e adolescentes dobrou em comparação às estimativas pré-pandemia, sendo as meninas mais acometidas que os meninos e os adolescentes mais velhos sendo mais acometidos do que as crianças mais novas.

6) O que pode levar a criança ou adolescente a desenvolver um transtorno mental?

O público infantojuvenil é especialmente vulnerável aos estressores ambientais tóxicos, do ponto de vista neurobiológico, já que o cérebro nessa faixa etária está continuamente se desenvolvendo e amadurecendo.

Nesse caso, dependendo da gravidade, duração e intensidade do estresse sofrido, este pode ser “tóxico” e cursar com um estado persistente de alerta, com níveis hormonais cronicamente elevados que modificam a arquitetura cerebral a longo prazo, predispondo aos transtornos mentais.

Além do mais, a adolescência é permeada por muitas transformações pertinentes à fase de desenvolvimento: mudanças hormonais, biológicas, emocionais e sociais, que culminam com maior impulsividade e reatividade, baixa regulação emocional, maior sensibilidade, busca pela identidade rumo à independência, experimentações, além de muitas dúvidas e expectativas, elementos que naturalmente já tornam as vivências dessa fase da vida mais intensas, do ponto de vista emocional.

Algumas questões especiais devem ser consideradas como fatores de risco, como as inquietações sobre a própria sexualidade, lesões autoprovocadas e rejeição dos pares no ambiente escolar presencial ou virtual (bullying e cyberbullying).

Aliado ao contexto pandêmico, é possível que o estresse causado pelos fatores ambientais somados à predisposição genética, a baixa resiliência e poucas estratégias de enfrentamento das adversidades mais frequentemente vistos na geração Z, possam contribuir com maior suscetibilidade ao adoecimento mental nessa faixa etária, sendo os quadros de ansiedade e depressão os mais comumente observados.

7) Após o diagnóstico de depressão ou ansiedade, como ocorre o tratamento?

O diagnóstico de um transtorno mental não necessariamente requer o uso de medicamentos: os casos leves melhoram com abordagens conservadoras, como a combinação de terapia com psicólogo, mudanças de estilo de vida e orientações parentais.

O pediatra deve questionar ativamente sobre a saúde mental do público infantojuvenil durante as consultas de rotina e encaminhar para assistência especializada em casos selecionados.

Em quadros moderados a graves, é importante considerar a combinação de medicamentos com psicoterapia.

Na vigência de sintomas graves que coloquem a criança ou o adolescente em risco, é importante a avaliação médica em uma unidade de emergência psiquiátrica.

É imprescindível uma maior conscientização da população acerca da saúde mental das crianças e adolescentes, com maior investimento em psicoeducação dos pais, cuidadores e professores para maior suporte emocional e social, maior capacitação profissional das redes de atenção em saúde para o acolhimento multidisciplinar desse público além de maior disseminação sobre os tipos de abusos e o encorajamento das denúncias dessas práticas.

8) Como motivar crianças e adolescentes?

É importante orientar o público infantojuvenil a dialogar sobre seus próprios sentimentos e expectativas, compartilhando as angústias e frustrações com seus pares e com seus responsáveis, de modo que as pessoas possam se conectar umas com as outras e trocar experiências, aumentando a rede de apoio, ensinando habilidades sociais, de resiliência e de enfrentamento de problemas, possibilitando o planejamento de uma ação, caso estejam passando por dificuldades.

Podemos encorajar nossos jovens a serem as suas melhores versões, de acordo com suas habilidades e potencialidades e isso é possível com dedicação, tempo em família, afeto e conexão.

Somos todos sobreviventes, cada um do seu modo, de uma pandemia que ainda não acabou, mas que está passando por uma fase de diminuição das internações.

Existe um fenômeno chamado “pulling up together” ou efeito de união, que pode acontecer após cenários de desastres ou grandes catástrofes, onde há maior coesão da população, culminando em menores taxas de suicídio, com o entendimento de que é preciso preservar a vida.

Cuidar da nossa população infantojuvenil é garantir o futuro da nação: se sentir amado é tão precioso quanto ter saúde. A vida vale muito!

Veja também: Conheça algumas formas de pedir apoio psicológico em Petrópolis

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