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[Coluna] Maternidade Atípica: A aldeia

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[Coluna] Maternidade Atípica: A aldeia

Psicóloga de Petrópolis e mãe de criança autista aborda o papel da mãe e a importância das redes de apoio

*Por: Flávia Gonzalez

Há alguns anos um provérbio africano caiu no gosto popular: “Para educar uma criança, é preciso uma aldeia inteira”. Suponho, de forma rápida e despretensiosa, que a popularidade recente desse provérbio, e suas versões, tenha relação com a problematização das funções parentais nas últimas décadas.

Foto: Divulgação e Freepik

Quando começamos a questionar o papel do pai, problematizar a figura do pai ausente, legitimar as famílias homoafetivas, entre outras mudanças, começamos a repensar, automaticamente, a figura da mãe como única responsável pelo bem-estar de uma criança.

Pois bem, psicanalistas infantis clássicos, como Winnicott, já nos diziam, desde a metade do século passado, sobre a importância da mãe suficientemente boa, da mãe que é boa, pois atende ao que o filho necessitava naquele momento, naquela fase do desenvolvimento.

Se partimos daí, concluímos que não há um modelo. Mas há um, um padrão inatingível, desumano e desenhado por um mundo dominado por homens. Inclusive, dentro da própria psicologia e psicanálise, que durante anos propagaram a ideia de mãe geladeira, uma ideia dos anos 40 que, resumidamente, dizia que o autismo tinha relações com a frieza materna. Essa ideia não está solta, ela está relacionada com uma estrutura machista, perversa e capacitista.

Então, saímos da geladeira e chegamos na aldeia, um lugar que é multi, que tem várias pessoas, de diferentes gerações, saberes, gêneros e funções. Precisamos de todos eles para criar uma criança, uma mãe sozinha não pode, ela precisa de um grupo.

A mãe atípica precisa de um grupão. Hoje, eu sou uma mãe atípica suficientemente boa, acredito eu, porque tenho uma aldeia enorme junto comigo. São, para além de familiares e amigos, profissionais que me ajudam a dar ao meu filho o que eu não posso dar.

Mães atípicas passam horas nas salas de espera, estão sempre correndo de um atendimento para o outro, nós literalmente corremos para que os nossos filhos possam andar. É um tal de entra de carro, chama carro de aplicativo, carrega mochila, vai para terapia x, sai correndo para terapia y, que é em outro lugar, e torce para a criança não desorganizar no meio do caminho.

Sem contar com os buracos entre uma terapia e outra, buracos que evidenciam as dificuldades de uma criança atípica, e nós tentamos estratégias: é tablet, celular, brinquedos pracinha. Ou seja, todos os esforços voltados para que essa dinâmica dê certo.

É cansativo, é caótico, é custoso, mas a gente faz. A gente faz porque a gente acredita na aldeia. A gente sabe que nossos filhos precisam de coisas que nós não podemos dar, coisas que só a aldeia pode oferecer. Entendo, portanto, que mais do que uma aldeia para educar uma criança, precisamos de uma aldeia para criar uma mãe.

Sobre a autora

Flávia Gonzalez é psicóloga, psicanalista, especialista em autismo e mãe atípica de um filho com autismo. A profissional já trabalhava e estudava sobre o tema há 15 anos, quando seu filho nasceu. A proposta desta coluna é falar de forma pessoal sobre a sua experiência frente ao encontro dessa vivência. Mais informações podem ser encontradas em @flaviagonzalezpsicologia.

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