Maior tragédia climática de Petrópolis completa 3 anos
Na tarde de 15 de fevereiro de 2022, 258mm de chuva atingiram a cidade, resultando na morte de 235 pessoas, além de duas que continuam desaparecidas
15 de fevereiro de 2022: um dia que ficou marcado na memória dos petropolitanos. Há exatos três anos, Petrópolis sofria a maior tragédia climática de sua história. Na tarde daquela terça-feira, o volume de chuva previsto para um mês – 258,6 milímetros – atingiu a cidade em três horas.
Foto: Sou Petrópolis (2022)
Na memória, estão também as 235 pessoas que se foram, levadas pelas águas da chuva e pelos deslizamentos de terra. A saudade e o sentimento de luto continuam até hoje no ar, espalhados por toda a cidade e enraizados no coração de cada um. E a chama da justiça permanece acesa, pelos que foram embora e pelos que ficaram, mas perderam seus familiares, casas e, de certa forma, também a vida.
Cidade com mais deslizamentos e enchentes do país
Hoje, três anos depois, foram feitas algumas obras para reerguer a cidade e prevenir que novas tragédias aconteçam. Mas, ainda assim, não chegam perto de tudo o que ainda precisa ser feito, sobretudo na cidade brasileira onde mais ocorreram deslizamentos e enchentes em 2024.
Os dados são do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que registrou 29 movimentações de terra e 15 alagamentos no ano passado em Petrópolis. Foram deslizamentos de barreiras em estradas e residências, enchentes em casas e até ocorrências que levaram a óbitos.
Saiba mais: Petrópolis foi a cidade com mais deslizamentos no Brasil em 2024
Foto arquivo: Marianny Mesquita (2022)
Mais de 72 mil petropolitanos vivem em área de risco
Estas informações são ainda mais alarmantes quando lembramos que mais de 72 mil petropolitanos vivem em área de risco, 1/4 da população.
A pesquisa feita pela Casa Civil e o Ministério das Cidades alerta que das dez cidades brasileiras com maior suscetibilidade a deslizamentos, enxurradas e inundações, três estão na Região Serrana do Rio de Janeiro. Teresópolis, em 2° lugar; Petrópolis, em 4°; e Nova Friburgo, em 5°.
Saiba mais: Petrópolis tem mais de 72 mil pessoas vivendo em áreas de deslizamento de barreiras e inundações
Foto: Fernanda Marinho (2022)
O luto transformado em luta
Na Rua Frei Leão, popularmente conhecida como Morro da Oficina, o medo ainda é constante. Considerada o epicentro da tragédia, onde 93 pessoas morreram e 54 famílias perderam as suas casas, a localidade no Alto da Serra ainda serve como residência de centenas de petropolitanos, que não veem outra opção de onde morar.
“Estamos em um bairro fantasma, abandonado. Andar por aqui depois das 18h é uma sensação horrível, de esquecimento. Toda vez que dá um temporal, entramos em desespero, porque ainda há muita gente na parte debaixo do morro e não existe uma fiscalização para isolar o local e dar moradias dignas para estas pessoas. Juntamente com a Vila Felipe, que também sofreu muito, deveríamos ter sido o primeiro lugar a ser olhado, mas fomos os últimos. Com muita luta, por meio de uma ação civil, conseguimos que iniciassem as obras aqui. Mas é muito cansativo brigarmos pelo óbvio”, conta Cristiane Gross, que perdeu nove familiares, dentre eles, sua filha e o neto.
Fotos: Arquivo pessoal – Cristiane Gross
Logo após sofrer a maior dor de sua vida, Cris decidiu transformar o luto em luta e, desde fevereiro de 2022, ajuda 190 famílias vítimas das chuvas através da ONG “A Glória da Segunda Casa”. Para ela, ajudar o próximo é o que a revigora e a fortalece.
Por lá, são oferecidos cursos de design de sobrancelhas para as mulheres e de bateria eletrônica para crianças de 10 a 16 anos; medicamentos; cestas básicas montadas através de doações; e móveis e eletrodomésticos, recebidos por aqueles que querem desapegar e doados aos que necessitam. Quem quiser ajudar pode entrar em contato pelo WhatsApp (24) 99321-5118.
Fotos: Divulgação
“Eu tinha que escolher, ou eu lutava ou eu enlutava. Eu preferi lutar. Lutar por aqueles que não estão mais aqui e pra que não aconteça com outras famílias o que aconteceu com a minha. Ainda não vivi meu luto. E não sei se vou conseguir um dia. Porque entrei numa guerra que não vai terminar nem tão cedo, que é a de tentar colocar essas pessoas em segurança. Não vai ser fácil, sei disso. Então o meu luto vai ter que esperar. Mas eu sei que eles estão lá de cima, olhando por mim e me abençoando”, declara.
Os familiares de Cris que se foram. Fotos: Arquivo Pessoal
“Prevenção não gera calamidade”
Apesar de se manter firme e otimista de que as coisas podem melhorar, Cristiane acredita que não há mais como reverter o quadro das mudanças climáticas e a única coisa a ser feita é a prevenção. Apesar disso, ela se questiona se estas ações são do interesse público.
“Prevenção não gera estado de calamidade, não enche os cofres públicos. Toda vez que preciso me reunir com os políticos eu sinto vergonha, pois a maioria não transmite nem 1% da preocupação que eu sinto. Vergonha por ter que cobrar o mínimo de um legislativo omisso. Mas a população também sofre com a síndrome do céu azul e esquece muito rápido, elegendo governantes que nada fizeram. Não entendo pra que serve o poder público se, quando acontece a tragédia, quem arregaça as mangas é o povo”, afirma.
Foto: Mariana Rocha
Outro petropolitano que concorda com esta afirmação é Leandro Rocha, pai de Gabriel Vila Real, um dos passageiros dos ônibus arrastados para dentro do rio na Rua Washington Luís, que ajudou a salvar outras pessoas enquanto também lutava por sua sobrevivência.
“Parece que já é proposital, porque, quando acontecem essas tragédias, o município recebe emendas parlamentares, apoios do governo federal e estadual e doações de valores altíssimos. Mas pra quê? Consertar o que foi estragado? E quando o que se vai não tem preço que pague, como as 235 vidas que se foram?”, questiona.
Foto: Mácia Foletto / Agência O Globo
O que o governo tem feito?
De acordo com a Prefeitura, o município tem investido em sistemas de alerta e alarme; age no monitoramento do Rio Quitandinha e nas interdições da Coronel Veiga quando há risco de alagamentos; tem fortalecido os Núcleos Comunitários de Defesa Civil (Nudecs); delimitou ilhas de segurança sinalizadas entre a Ponte Fones e a Rua Paulo Barbosa, entre outras ações.
Já o Governo do Estado afirma ter investido mais de R$ 700 milhões para intervenções na cidade, como a do Túnel Extravasor, que está em sua fase. Outras ações foram a criação de um gabinete regional para otimizar a resposta aos desastres naturais e o reforço do Corpo de Bombeiros Militar em Petrópolis.
Todas as intervenções de ambos os órgãos podem ser conferidas clicando aqui.
Foto: Divulgação
Mas como estão as localidades mais afetadas hoje em dia?
Como diz o ditado, “uma imagem vale mais que mil palavras”. Por isto, Beatriz Ohana e Pâmela Mércia, produtoras do longa metragem “Serra Acima”, disponibilizaram imagens exclusivas de como estão a Vila Felipe e o Morro da Oficina após todo este tempo.
Vila Felipe em fevereiro de 2022 e em setembro de 2024. Fotos: Mariana Rocha e Fernanda Marinho
As imagens atuais foram registradas pela fotógrafa Fernanda Marinho, em setembro de 2024, durante o documentário, que tem previsão de ser lançado ainda este ano. A produção aborda as tragédias ambientais e discute a habitação e as injustiças históricas agravadas pela crise climática.
Já as fotos de 2022 foram feitas por sua irmã, Mariana Rocha, que também faz parte da equipe da produção. Graduanda em história, a petropolitana ficou conhecida por evidenciar a realidade dos bairros mais atingidos através de seus registros. Sua meta agora é fazer um livro de memórias com histórias dos sobreviventes da tragédia e em homenagem àqueles que se foram.
Morro da Oficina em fevereiro de 2022 e em setembro de 2024. Fotos: Mariana Rocha e Fernanda Marinho
“Desde 2023 eu venho tentando, através de editais de cultura, um financiamento pra esse projeto. Enquanto isso, trabalho no meu TCC, que vai abordar a história oral desse acontecimento. Mas fico refletindo sobre a importância que este assunto tem, pois já passei em vários editais com projetos voltados a outros temas e, este, sobre a tragédia, não recebe aprovação. Manter essa memória viva é importante, não só pra que casos como esse não voltem a acontecer, mas para que possamos cobrar ações efetivas”, comenta.
Vila Felipe em fevereiro de 2022 e em setembro de 2024. Fotos: Mariana Rocha e Fernanda Marinho
A hora de agir é agora
Para Leandro Rocha, a chave para evitar novas tragédias é a conscientização da população e do poder público.
“Precisamos antecipar as ações ao invés de esperar o pior acontecer. A cidade já está toda mapeada. É necessário realizar obras nas encostas desses lugares e tirar as pessoas das áreas de risco. Não adianta o governo querer fazer obra quando já caiu tudo, quando já matou todo mundo. Gasta-se muito mais pra restaurar do que para prevenir. Temos que trabalhar enquanto o tempo está bom. A hora de agir é agora”, alerta.
Além de todas as ações necessárias citadas por Leandro, ele reforça que falta imputar judicialmente os responsáveis por tantas mortes. “Meu luto vai ser eterno. Meu filho só tinha 17 anos, com toda uma vida pela frente que foi privada dele por conta de uma sucessão de erros, das empresas de ônibus, que não tinham um protocolo pra essas situações; do condomínio, que tinha uma barreira com risco de deslizamento por conta do desmatamento nas obras; e da falta de comprometimento do poder público”.
Fotos: Arquivo Pessoal
O sentimento que fica depois de tudo isso é o de revolta e de injustiça. “Pra nós, que perdemos filhos e familiares, é uma dor pro resto da vida. Convivo com a falta do Gabriel todos os dias e luto por melhorias, mas é difícil. Tenho o Instituto Gabriel Vila Real e me candidatei a vereador no ano passado para que houvesse alguém na Câmara olhando por nós. Porque é muito difícil ver tantas pessoas esquecidas, que perderam suas casas, seus sonhos, sua história. Tudo por conta de uma tragédia anunciada. Hoje, parece que tá tudo normal, que também tudo bem, mas é revoltando conviver com as perdas de tantas pessoas, algumas delas que não foram encontradas até hoje”, finaliza.
Lucas e Heitor continuam desaparecidos
Além das 235 mortes confirmadas, duas pessoas continuam desaparecidas até hoje. Heitor Carlos dos Santos, que sumiu aos 61 anos também em um dos ônibus da Petro Ita arrastados para o Rio Quitandinha, e Lucas Rufino, que na época tinha 21 anos. Este último foi vítima dos deslizamentos no Morro da Oficina onde, no final do ano passado foram encontradas ossadas que estão sendo investigadas.
Fotos: Arquivo Pessoal
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