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Pesquisadora petropolitana participa de estudo que resgata a história apagada de povos originários

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Pesquisadora petropolitana participa de estudo que resgata a história apagada de povos originários

No dia Internacional dos Povos Indígenas conheça pesquisa que busca identificar, através de artefatos arqueológicos, a história invisibilizada desses povos que ocuparam a região de Minas Gerais

 Por Cristiane Manzini sob supervisão de Luísa Abreu

Conhecer a origem de um povo é essencial para determinar os novos rumos de um país. Quando parte da história é propositalmente anulada o sentido dela fica comprometido e o grupo que detém os instrumentos de dominação passa a contar a narrativa a partir da própria perspectiva. Foi isso que aconteceu com os povos originários. Em Minas Gerais, estado onde a história da mineração se sobrepôs, resgatar a identidade das ocupações indígenas torna-se fundamental para criar outra realidade.

Foto Arquivo Pessoal Daniela Semola Angonese

A pesquisadora

Daniela Semola Angonese é uma petropolitana de 26 anos que viveu a maior parte da vida aqui na cidade. Ao terminar o ensino médio iniciou a trajetória de Licenciatura em História na Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ, instituição escolhida a partir do ENEM. Residente em Minas Gerais desde então, sentiu o desejo de conhecer mais a história indígena da região e, dando sequência à formação, buscou o Mestrado na mesma universidade. Desde o período da graduação, já se interessava pelas questões relacionadas aos povos originários.

Foto Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ – Reprodução Internet

Como tudo começou

Daniela conta que ainda durante a graduação procurou a Profª. Drª Maria Leônia Chaves de Resende, atual orientadora dela no Mestrado. Esta professora lecionava disciplinas sobre a América e era a única professora no departamento especializada em história indígena.

“Ela ensinava sobre a história indígena profunda da América e do Brasil, passando pelas inúmeras hipóteses de povoamento do continente americano. Ensinava sobre as fontes necessárias para se estudar esse período longínquo, como a cultura material (cerâmicas, líticos, sambaquis e pinturas rupestres) visto que, na maioria dos casos, não se tem uma escrita”, relembra. 

Artefatos encontrados – Foto Arquivo Pessoal Daniela Semola Angonese

Ela conta que sempre teve interesse na história do contato entre as populações indígenas norte-americanas e os vikings da Groenlândia. Ao procurar a professora para saber como ela poderia ir em busca desse assunto, foi orientada a primeiro conhecer a história dos povos indígenas no Brasil para então estudar outros lugares. E desde 2017 as duas vêm trabalhando juntas. Daniela explica que a orientadora abriu os horizontes para ela.

“Ela me apresentou mundos e culturas do Brasil e das Américas que eu nunca imaginei existir”, e ressalta a necessidade de respeitar os povos que desenvolveram os próprios modos de vida e resistiram a um processo de conquista há 524 anos, mantendo-se fortes apesar de tudo. 

É História Profunda que fala?

A pesquisadora destaca a importância de utilizarmos termos adequados quando nos referimos ao conceito de História Profunda, ou de Longa Duração, pois o que se convencionou como pré-história ou pré-colonial, remete à ideia de que não existia História antes dela ser escrita. Ela explica que estes termos negam a História às populações indígenas e seus antepassados, já que em sua maioria, estas populações não se utilizavam da escrita antes do período da conquista.

“Esses povos estariam encerrados dentro da barbárie, na infância da civilização, e por conseguinte não haveria uma história a ser contada”, reforça.

A pesquisa

O estudo realizado pelo grupo de Daniela busca compreender o processo de ocupação em Minas Gerais, propriamente no município de Lagoa Dourada, através dos artefatos arqueológicos encontrados. Assim são analisados os possíveis agrupamentos ameríndios que habitaram a região a partir das tradições arqueológicas.

Equipe diretamente envolvida na pesquisa – Foto Arquivo Pessoal Daniela Semola Angonese

A pesquisa intitulada “Minas Nativas: história profunda de Lagoa Dourada – MG” interage com outros profissionais e áreas de conhecimento. A Arqueologia auxilia nas análises dos artefatos encontrados.

Já a Geografia ajuda na análise da paisagem em que esses sítios arqueológicos foram identificados, a fim de compreender como se dava a ocupação desses povos da região e na composição de minerais das pastas cerâmicas. Por fim a Antropologia, que em conjunto com as fontes históricas, auxilia a identificar certos grupos étnicos que se encontravam naquele local.

Como funciona?

Daniela explica que a pesquisa se dá em campo, a partir de visitas aos sítios arqueológicos, locais onde foram encontrados os fragmentos cerâmicos e líticos. “Os moradores nos auxiliam muito a encontrar os locais, com inúmeros relatos de que já encontraram artefatos e outras histórias”, comenta. 

Foto do site do laboratório (LAPA)

Os objetos encontrados são analisados em um laboratório. O LAPA – Laboratório de Paisagem Arqueológica e dos Povos Originários, coordenado pelo Prof. Dr. Leonardo Rocha foi criado na UFSJ para este fim. Após a coleta, com auxílio da bibliografia arqueológica, é possível analisar os artefatos e, a partir de descrições das tradições ceramistas, tentar encontrar identificações.

“Infelizmente, temos ainda uma amostragem muito diminuta. Os artefatos foram tirados do contexto arqueológico, sendo muito difícil saber por exemplo o local exato – para uma possível investigação de mais fragmentos – ou mesmo fazer uma datação mais precisa”, lamenta a pesquisadora.

Artefatos encontrados – Foto Arquivo Pessoal Daniela Semola Angonese

Daniela conta que um dos desafios do estudo é identificar as interferências sofridas pelos objetos. Muitos são retirados do local de origem, são misturados com artefatos de outras épocas, ou confeccionados por populações diversas, como escravizados, indígenas locais e europeus em um contexto de miscigenação.

As implicações do estudo

A pesquisa visa reconhecer a história indígena que foi apagada da região. O estado de Minas Gerais tem uma história colonial e de mineração como ponto de vista preponderante. Isso anula de forma violenta o protagonismo dos inúmeros indígenas que viviam ali ao longo de todo o período colonial até os dias de hoje. Ela ainda reforça o reconhecimento como ponto de partida para a mudança de foco.

“Não podemos falar de uma demarcação territorial visto que os moradores não se reconhecem como indígenas. Há relatos de antigas aldeias, mas muito esparsas e difusas”, ressalta Daniela. Como exemplo, o enfoque turístico da região gira em torno da história oficializada da mineração.

“Em São João del-Rei há na Serra do Lenheiro pinturas rupestres, entretanto, o turismo explora o período colonial, a mineração, as grandes igrejas barrocas”, comenta. 

Sobre as ocupações

Com base em documentos históricos, a Drª Maria Leônia Chaves de Resende, orientadora da pesquisa, elaborou um mapa que aponta que a região agora pesquisada era ocupada pelos Cataguás ou Cataguases. 

A partir da pesquisa do arqueólogo Ondemar Dias Jr na região entre a planície do litoral e a Serra do Mar foram localizados inúmeros sítios ceramistas. São cerâmicas simples, com algumas decorações que podem indicar uma relação com a tradição ceramista Tupiguarani.

“Atribuiu-se a sua produção aos ancestrais dos Goitacás (Gês), povos que resistiram aos Tupis na planície, especialmente no norte do Rio de Janeiro”, explica.

Já na Zona da Mata Mineira (região de Juiz de Fora), próxima a Petrópolis, a pesquisadora Ana Paula Loures de Oliveira descobriu que houve ocupação dos Puris e Coroados, inclusive tendo uma relação com a produção de cerâmica da tradição Tupiguarani. 

Dia Internacional dos Povos Indígenas

Daniela destaca a importância de datas comemorativas às tradições dos povos originários.

“São datas que alavancam ainda mais as vozes indígenas para que nós consigamos escutá-las e refletir sobre a relação que estamos construindo com a Terra”, ressalta.

Em um momento de agravamento da crise ambiental e climática, os povos indígenas nos apresentam uma saída a partir da relação que eles têm com a natureza. 

Ela afirma, no entanto, que ainda há muito preconceito para a compreensão dos povos indígenas.

“Um preconceito histórico, no qual os ‘índios’ seriam bárbaros, atrasados, preguiçosos e necessitam de uma tutela”, desabafa. A partir desta concepção há o discurso de esses povos são um entrave ao progresso e ao crescimento da economia.

“Vemos cada vez mais essa economia que explora, que devora montanhas, mata rios e peixes, causar danos ao meio ambiente. Estamos sentindo na pele. Toda alternativa a esse capitalismo exploratório será sempre vista como uma ameaça”, alerta.

Ainda assim a pesquisadora destaca que a cada dia mais o movimento indígena cresce, faz denúncias e é reconhecido internacionalmente como um movimento de (re)existência. E conclui com a lição aprendida com eles: “o futuro é ancestral”.

Os estudos que deram origem à pesquisa sobre os povos originários podem ser conferidos através do site: https://mundosnativos.com.br/.

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