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Você sabia que existe um quilombo remanescente em Petrópolis? Conheça o Quilombo da Tapera

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Você sabia que existe um quilombo remanescente em Petrópolis? Conheça o Quilombo da Tapera

Localizado no Vale do Cuiabá, o quilombo de Petrópolis desenvolve projetos agroecológicos e demonstra o poder das mulheres nas comunidades quilombolas. Em entrevista à Sou, líder feminina do Quilombo da Tapera destaca a importância desse território considerado um “solo sagrado” para essa comunidade

 Por Cristiane Manzini sob supervisão de Luísa Abreu

Eva Lucia Casciano, de 40 anos, é uma mulher de muitos atributos que busca um resgate constante da própria identidade. “Sou uma mulher preta, quilombola, funcionária doméstica, crocheteira, contadora de história e poetisa”, descreve a si mesma. 

Ela desempenha um papel fundamental na preservação das tradições da comunidade e ajuda a construir um futuro mais inclusivo para seu povo, demonstrando força e doçura na mesma medida.

Foto Divulgação

A Origem do Quilombo

Eva pertence ao Quilombo da Tapera. Ela conta que a comunidade existe desde, aproximadamente, 1847. A história do território se entrelaça com a de Petrópolis desde a sua origem. 

Escrito em testamento, o grande fazendeiro da região Agostinho Corrêa da Silva Goulão, que era irmão do Padre Corrêa, doou um pedaço das terras da fazenda a Sebastiana Augusta da Silva. 

Ela foi escravizada na Fazenda Santo Antônio que ficava no Vale do Cuiabá, região de Itaipava, e pertencia a Agostinho. Sebastiana era tataravó de Eva e, de alguma forma, deu origem às cerca de vinte famílias que residem no território quilombola. 

Foto Divulgação

Herança cultural

Ser quilombola é muito mais do que ocupar um território ancestral. É preciso preservar a cultura, fazer valer os direitos do povo e manter vivas as tradições. 

A transmissão da cultura no Quilombo da Tapera ocorre através da oralidade. Rodas de histórias e conversas servem como forma de transmitir para os mais novos as crenças, as lendas e a cultura como um todo, passando de geração em geração através da palavra.

O quilombo

Como qualquer comunidade, a Tapera também tem uma associação. Atualmente quem preside é o líder quilombola Adão Casciano, irmão de Eva. A partir da liderança principal, outras divisões permitem uma organização melhor da dinâmica do território. 

Eva é diretora de esporte e lazer, função que assumiu há pouco tempo. Ela destaca a importância da escuta ativa dos irmãos quilombolas para entender o que eles querem nessa área. Desta forma podem decidir as atividades que agradem à maioria. 

Eva tem a intenção de propor brincadeiras antigas, cantigas de roda, resgatar a capoeira e buscar fazer torneios dentro do território. 

Ela se mostra preocupada com o avanço desmedido da tecnologia e a perda da importância de atividades tradicionais que ajudam a manter a identidade do povo. 

“Atualmente a gente tem observado as pessoas muito conectadas com a tecnologia, que é uma coisa boa, mas a gente tem que saber também como usá-la e não deixar perder as nossas brincadeiras. Brincar de soltar pipa, bolinha de gude, pião, os tipos dos piques, as rodas, as cantigas de roda”, destaca.

Foto Divulgação

A importância da agroecologia

Em parceria com instituições que promovem a relação entre diferentes comunidades, Eva destaca o estreitamento de laços com o Quilombo Boa Esperança no município de Areal. 

Ela conta que faz parte de um coletivo feminino que tem como foco desenvolver o cultivo de plantas frutíferas, o que ajuda a desenvolver o empoderamento da mulher na agroecologia. O objetivo é gerar uma segunda renda, além do fortalecimento do protagonismo feminino na realidade quilombola. 

Olhando também para os ganhos agroecológicos daquelas comunidades, o Projeto Ará, executado desde 2021 pela Fiocruz, busca promover o desenvolvimento sustentável e a saúde em populações fragilizadas e comunidades tradicionais. 

Foto Divulgação

O projeto é conduzido pelo Fórum Itaboraí: Política, Ciência e Cultura na Saúde, programa da presidência da Fiocruz em Petrópolis. Na prática, além das árvores frutíferas, Eva cultiva ervas medicinais no quintal produtivo, segundo informações da própria Fiocruz.

Poder feminino

Fazer conexões com outros povos quilombolas ao redor do país é fundamental. Eva menciona um coletivo de mulheres que busca dar espaço à causa. “Elas negras conexões”, da região da Bahia, ajuda a fortalecer o movimento. 

“A gente tem buscado fazer trocas de saberes, trocas de experiências e fortalecer mesmo. A gente enquanto povo, enquanto comunidade quilombola, está fortalecendo umas às outras, porque essa conexão é que nos faz fortes cada vez mais. Porque ser quilombola é lutar e resistir a todo momento”, comenta.

Garantia de direitos

Eva reconhece que a legislação já teve avanços significativos, mas ainda existem desafios para garantir a proteção dos direitos. A demora na regularização do território e a falta de recursos e infraestrutura, como saúde, educação, saneamento são alguns dos desafios ainda enfrentados pelos territórios. 

Ela aponta que o quilombo da Tapera já tem uma parte desses direitos respeitada, mas em contato com quilombos do Brasil inteiro ressalta que ainda falta muito. 

“A gente enquanto povo tradicional não olha só para a nosso território. A gente vai olhar o todo, ver o que está faltando e engrossar a voz deles. Fazer valer os nossos direitos”, destaca.

A demora na regularização de terras mostra que ainda há um longo caminho a percorrer. O diálogo e a implementação de políticas públicas nos territórios é uma forma de promover inclusão e garantir justiça social. Elas são uma forma de reparação histórica, mas ainda falta muito. 

Dificuldades 

Eva relembra que o censo de 2022 foi o primeiro a incluir as comunidades quilombolas como tais. Isto trouxe uma esperança de que agora que estas comunidades estão contabilizadas, as políticas sejam efetivamente implantadas, porque somente conhecendo as especificidades de cada povo é possível atender às suas necessidades.

Foto: Arquivo/Sou Petrópolis

As dificuldades ainda enfrentadas pelo Quilombo da Tapera envolvem, entre outras, o transporte público. Para ir do território até o local mais próximo atendido pelos ônibus urbanos é preciso percorrer um longo caminho. 

Se o quilombola não tiver veículo próprio é necessário caminhar em torno de duas horas pra ir e mais duas pra voltar. 

Eva aponta a dificuldade que é, para algumas pessoas, fazer atividades básicas como ir ao médico ou assumir outros compromissos. 

“Que a gente tenha direito ao transporte coletivo. Que sejam em horários estratégicos, que tenha que se organizar entre nós para conseguir usar, mas que a gente tenha direito de ter o transporte coletivo entrando no território”, desabafa.

Petrópolis e o Quilombo

A líder comunitária explica que o povo da Tapera tem tido mais visibilidade em Petrópolis. As lideranças do quilombo têm tido bastante atividade, mas ainda tem gente que nem sabe da existência do local. 

Outra questão que Eva destaca é o desejo de levar para as escolas as informações sobre eles. Ela demonstra o quanto é importante divulgar a cultura afro-indígena. Uma das pautas é trabalhar a educação antirracista. 

“Muitos alunos não têm conhecimento do que é uma comunidade quilombola”, conta. Tem as questões relacionadas à identidade cultural e à contribuição que os antepassados de Eva deixaram aqui na cidade. 

Muitas coisas foram apagadas e é essencial resgatá-las. “É fundamental estar no lugar de fala, no protagonismo do povo preto para que não continue mais acontecendo esse apagamento”, explica.

Eva encerra seus relatos mostrando a força e a importância do território que ocupa. 

“Somos uma comunidade quilombola que existe – e resiste – há bem mais de 150 anos. Somos descendentes da minha tataravó Sebastiana. O nosso território pra gente é um solo sagrado”, finaliza.

Foto Divulgação

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