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Entrevista: cientista social analisa os padrões e a pouca diversidade na política de Petrópolis

Cidade

Entrevista: cientista social analisa os padrões e a pouca diversidade na política de Petrópolis

Roberto Schiffler Neto elenca alguns fatores que levam o cenário na cidade

Com 278.881 habitantes, de acordo com o Censo de 2022, a população de Petrópolis está dividida entre 147.802 mulheres e 131.079 homens, o que representa 53% do sexo feminino e 47% masculino. Consequentemente, as mulheres representam a maioria do eleitorado de Petrópolis, com média de idade entre 45 e 59 anos, segundo dados do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No primeiro turno das eleições municipais, foram 245.177 pessoas aptas a votar. 

Porém, o número foge da representatividade do sexo feminino que a cidade tem. Pela primeira vez na história da cidade, Petrópolis elegeu três mulheres como vereadoras. Mas por que isso acontece? A Sou Petrópolis conversou com Roberto Schiffler Neto, Cientista Social, que destacou alguns fatores que levam a pouca diversidade na cidade. Veja!

Foto: arquivo

Como o senhor avalia a representatividade feminina na Câmara Municipal de Petrópolis, considerando que apenas três mulheres foram eleitas para o cargo de vereadoras?

R.F: Quando conferidos os dados das eleições para o legislativo no âmbito nacional no pleito de 2022, o número de mulheres não chega a 1/3 dos nossos representantes políticos eleitos. Evidentemente, estamos diante de uma crise de representatividade. Essa crise corresponde aos valores compreendidos dentro da nossa própria sociedade brasileira, onde, histórica e socialmente, a mulher tanto teve mais dificuldade para acessar direitos básicos como ocupar postos de protagonismo social.

O nosso machismo, nesse sentido, também é repercutido na sociedade petropolitana e, no caso específico, na representatividade da nossa Câmara de Vereadores. Para termos uma melhor compreensão desse cenário, desde 1989, entre eleições e reeleições, apenas 5 mulheres se tornaram vereadoras na cidade. Nesse sentido, a nossa própria democracia representativa demonstra os reflexos que minorias sociais, como o caso das mulheres, possuem em fazer valer suas vozes e corresponder às suas respectivas demandas políticas na sociedade.

Quais fatores históricos e culturais podem influenciar a baixa representatividade feminina na política petropolitana?

R.F: O machismo no Brasil é estrutural e perpassa para o interior de nossas relações sociais. Para termos uma noção da dificuldade das mulheres quando o tema é a política representativa, mais especificamente as eleições, foi na constituição de 1934 que às mulheres foi consagrado o direito ao voto no nosso país (embora o voto só era permitido a pessoas alfabetizadas, com a universalização do voto de modo irrestrito apenas ocorrendo em meados da década de 1989). 

É preciso realizar essa contextualização histórica para reforçar que o problema da representatividade feminina na política petropolitana não é algo exclusivo de nossa cidade, e sim resultado de uma desigualdade de tratamento que causa impacto nos dias atuais, assim como nos mais diversos hábitos e costumes da nossa população. A nossa sociedade veio reproduzindo ao longo dos séculos e décadas mais recentes, a dificuldade da mulher estar inserida nos espaços que podemos chamar de protagonismo social. Esses espaços são de ampla relevância e status na sociedade, vistos em determinados papeis sociais como no universo do trabalho, meio artístico e político.

Ainda que nos últimos tempos tenhamos observado algumas melhorias nesses cenários de desigualdades, muito também em função do fato de movimentos sociais contemporâneos estarem debatendo sobre os direitos dos mais diversos grupos, o machismo da nossa sociedade ainda é muito cruel e gerador de uma série de desigualdades para as mulheres brasileiras, inclusive petropolitana. Outro fator mais específico de Petrópolis, é que nossa população é reconhecida no nosso imaginário por ter uma característica de conservar valores ditos como mais tradicionais.

Assim, é importante lembrar que essa condição de visão política expressa em um eleitorado que se identifica com as pautas conservadoras, legitimou desde um passado não tão distante, e ainda legitima na atualidade, que à mulher é guardado um lugar do ambiente privado e da família, ou seja, fora da vida pública. Não à toa, dos 15 representantes eleitos em nossa cidade, apenas 3 são mulheres.

Quais barreiras específicas as mulheres enfrentam ao tentar ingressar e se manter na política em cidades como Petrópolis?

R.F: Entre os fenômenos estruturais já citados, como o machismo e as características que apontam para um eleitorado mais conservador atualmente em Petrópolis, fatores como dupla jornada de trabalho, violência de gênero, sobretudo na hora de fazer a campanha, falta de apoio dos partidos políticos e a própria dificuldade econômica que por vezes dificulta o financiamento da campanha, podem ser elencados como algumas das dificuldades que geram dificuldades para as mulheres ingressarem e se manterem na política.

Essas são algumas das dificuldades, inclusive registradas em relatos vindo de mulheres que participaram das últimas eleições e se pronunciaram em suas redes sociais, que corroboram para o distanciamento da mulher dos espaços de representatividade política, inclusive, na nossa cidade.

Que impacto a presença reduzida de mulheres nas câmaras municipais têm na elaboração de políticas públicas para a cidade?

R.F: Estudos apontam como as questões culturais e experiências vividas dentro de uma estrutura de sociedade que reprime as mulheres, contribuem para que as parlamentares voltem duas ações para a construção de direitos sociais como educação, saúde e, em especial, ao combate à violência de gênero e maior igualdade na sociedade. Para que tenhamos uma ideia, entre os meses de janeiro e agosto desse ano de 2024, o Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), registrou 1255 atendimentos de violência à mulher em Petrópolis. Se levarmos em consideração que esses números são subnotificados, devido a toda dificuldade que envolvem as denúncias, que vão desde o reconhecimento da violência sofrida, até o ato de realizar a denúncia em si, que pode causar mais ameaças e inseguranças para a vida da mulher, os casos de violência contra a mulher na nossa cidade são muito grandes.

Um baixo número de mulheres eleitas na Câmara Municipal de nossa cidade pode contribuir diretamente para a dificuldade de repararmos esse cenário e construirmos políticas públicas efetivas e que vão ao interesse não apenas de proteger essa população, mas, principalmente, fortalecer seus direitos diante de tanta dificuldade e desigualdade de se afirmarem na sociedade como um todo.

O resultado de apenas três vereadoras reflete um problema estrutural na política petropolitana? Quais seriam os aspectos desse problema?

R.F: Primeiramente, segundo a própria Constituição Federal, a cidade de Petrópolis poderia abrigar o número de 21 vereadores, uma vez que a população de nossa cidade se situa em uma faixa populacional que a legislação admite esse número máximo de legisladores (são 278.881 habitantes, segundo o último censo de 2022). Atualmente, são 15 representantes da cidade que ocupam vagas na nossa Casa Legislativa. Dito isso, compreendo que as mulheres poderiam ter mais participação se o número de representantes aumentasse, conforme autoriza a lei.

Em segundo lugar, como citado anteriormente, o eleitorado petropolitano vem apresentando um perfil político conservador desde as eleições de 2018. Enquanto isso, o campo progressista na cidade tem tido dificuldades de se inserir em grandes números no âmbito da nossa Câmara de Vereadores. Ao meu ver, isso já tende a causar uma dificuldade às mulheres, que, historicamente, se identificam nesse campo para a promoção de agendas políticas especialmente relacionadas aos avanços dos seus direitos.

Não à toa, das três mulheres eleitas, duas delas construíram suas bases eleitorais em movimentos sociais e ideais ligados a esse campo progressista, como o caso de Júlia Casamasso, reeleita pelo Psol e que apresentava uma candidatura identificada com a pauta feminista, e Lívia Miranda, eleita pelo PCdoB, também ligada às pautas feministas, e que militou no Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação. Ainda que a outra vereadora eleita, Gilda Beatriz, filiada a um partido mais conservador, tenha sido reeleita, especialmente pelo reconhecimento de sua atuação em pautas mais sensíveis e caras às minorias sociais, como é o caso em torno da sua luta pelas pessoas portadoras de alguma necessidade especial, quero apontar que a falta de espaço do campo progressista na cidade pode contribuir não somente para o afastamento das mulheres de nossa principal Casa Legislativa municipal, como também no desenvolvimento de estratégias políticas que contribuam para a assimilação da realidade de desigualdades vividas por todas as mulheres em sociedade.

Nesse sentido, creio que as vereadoras eleitas terão uma grande responsabilidade de propagar políticas públicas e pautarem o debate das ideias no que tange essa questão em Petrópolis.

Como políticas de cotas ou incentivos à participação feminina poderiam mudar esse cenário em Petrópolis?

R.F: As políticas de cotas são importantes e nas últimas décadas mudaram muitos dos cenários da sociedade brasileira, sobretudo diante dos cenários históricos e de maiores dificuldades sociais que vivemos no passado. Das políticas de transferência de renda, estímulos ao acesso ao ensino superior, até a cota de 30% de mulheres nas nominatas de partidos ou coligações que disputam as eleições, esses fatores estimularam uma maior entrada de brasileiros em camadas de consumo e de protagonismo social, como já falamos que é o caso da representação política.

No caso específico das eleições, existem ideias como Propostas de Emendas à Constituição que versam sobre a possibilidade de se elencar cotas para mulheres ocuparem um mínimo de vagas no Poder Legislativo. Em alguns países, essas cotas já existem e contribuíram muito para o aumento das mulheres nos cargos eletivos do legislativo. Entretanto, gostaria de destacar que embora essas fatores venham a serem importantes para a ampliação e consolidação dos direitos das mulheres, é importante pensarmos em políticas de longo prazo que venham a impactar em outras estruturas da sociedade permeadas pelo machismo, como é o caso da educação, da segurança e tantas outras que possam gerar um profundo impacto cultural.

Em que medida a representatividade feminina na política local pode influenciar o engajamento político de outras mulheres e jovens?

R.F: Vivemos em tempos em que as redes sociais influenciam e pautam a realidade em que vivemos. Mais do que nunca, essa foi uma eleição em que a comunicação promovida pela interlocução dos dispositivos eletrônicos foi muito importante para a proliferação das narrativas políticas e, consequentemente, obtenção de votos. A visibilidade destacada pelas redes pode contribuir muito para o alcance da mensagem e, assim, impactar em muitas realidades vividas. Entretanto, sabemos também que a desigualdade do acesso à Internet também faz parte da vida real.

Nesse sentido, estar nas ruas, visitar os locais mais distintos da cidade, promoção de debates públicos e outros atributos são coisas que tanto esperamos das vereadoras eleitas como também de outras pessoas, sobretudo mulheres, que tendem a tomar cada vez mais consciência das suas condições de existência em sociedade. Refiro as gerações e em especial a juventude, que sempre pode ser protagonista das mudanças na sociedade.

Acredita que a sociedade petropolitana valoriza a diversidade de vozes na política? Por quê?

R.F: Creio que ao falarmos de diversidade, estamos também falando de disputas entre ideias que se antagonizam na nossa sociedade. Some a isso uma composição da Câmara de nossa cidade marcada por identidades que tanto reproduzem velhos estereótipos do poder político local, ou seja, maioria de homens, brancos, idades mais maduras e certas ideias políticas que conservam uma espécie de status quo na sociedade. Entretanto, diante desse cenário, teremos ao mesmo tempo a maior bancada feminina da história recente de nossa Câmara Municipal.

Observemos, por exemplo, outras candidatas mulheres que tiveram um número expressivo de votos. Foi o caso de Dani Brum, também do Psol. Dani não entrou, mas obteve quase 1900 votos. Assim, quando falamos de política, falamos de uma arena de disputa na sociedade, onde ideias divergentes disputam a centralidade do debate. Ainda que as pautas relativas aos direitos das mulheres não estejam na centralidade do debate político de nossa cidade, é inegável que as vozes que ecoam da nossa comunidade petropolitana estão atingindo patamares de relevância e destaque nesse cenário. Nisso, enxergo uma forma de valorização na proporção da consciência da população e do eleitorado petropolitano que valoriza e reconhece a importância dessas vozes e desse debate travado.

Como a mídia e os veículos de comunicação podem contribuir para melhorar a percepção da importância da representatividade feminina na política?

R.F: Penso que os meios de comunicação devem firmar uma espécie de pacto social no que se refere, primeiramente, à divulgação da realidade vivida pelas chamadas minorias sociais e, em especial aqui, os problemas, dificuldades e desigualdades sofridas pelas mulheres no âmbito de uma sociedade extremamente violenta e preconceituosa. Da dificuldade do acesso à renda, ao trabalho, ocupação de cargos públicos, casos de feminicídio e outras formas de violência. Falar  sobre as dificuldades dessa realidade é, ao meu ver, a porta de entrada para que as pessoas conheçam esses problemas sofridos por mulheres que são nossas mães, irmãs, filhas, tias, amigas, colegas e que com isso também se reconhecem uma em relação às outras. As histórias de representatividade que também devem ser destacadas, revelam na verdade histórias de luta, de engajamento, de encorajamento e outras forças que se originam no despertar das consciências individuais e coletivas.

Também é importante que os meios de comunicação divulguem as ações do Poder Público e suas formas de acolhimento e atuação. São os casos do CRAM, Conselho Tutelar, CONDIM, CREAS, CRAS, CAPES, Postos de Saúde, Sala Lilás e de Ongs que atuam tanto na proteção aos direitos da mulheres como também na elaboração de medidas que visam superar o quadro de desigualdades.

Acompanhar a realidade das figuras políticas femininas em cargos de representação política e também dos movimentos sociais que abordam essa questão, são igualmente fundamentais para que tenhamos consciência de que essa representatividade traz consigo uma série de questões que precisamos superar.

Que ações ou movimentos da sociedade civil podem contribuir para aumentar a participação de mulheres na política em Petrópolis?

R.F: Os movimentos sociais, quer dizer, grupos de pessoas organizados com algum objetivo político focado no alargamento da cidadania, sempre será um espaço legítimo para revelar as fraturas da nossa sociedade e também encaminhar soluções para esses problemas. De um modo geral, ações verdadeiramente acolhedoras, que venham de espaços como a família, grupo de amigos, instituições educacionais, instituições religiosas e tantas outras, que tenham no seu objetivo tanto sensibilizar como realmente compreender as origens dos problemas que vivemos, como é o caso do machismo e, consequentemente, apontar soluções práticas, devem serem valorizadas, reconhecidas e incentivadas por todos nós.

A sociedade e suas instituições, bem como as gerações de pessoas que se anunciam, poderão ser, respectivamente, lugares e transmissores para o aperfeiçoamento de nossa democracia e fortalecimento da cidadania, em especial as das mulheres. Para isso, é preciso que primeiro conheçamos os problemas sociais para que, em seguida, nos reconheçamos diante deles diante do sentido da existência de grupos que historicamente vêm sendo oprimidos e alijados da plenitude do acesso aos direitos humanos.

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