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De escola pública e 1ª a ter curso superior na família, petropolitana se destaca no mundo da pesquisa

Educação

De escola pública e 1ª a ter curso superior na família, petropolitana se destaca no mundo da pesquisa

Juliana Pereira, de 32 anos, sempre viu na educação uma possibilidade de chegar aonde desejava. Desde agosto de 2023 atua na PUC-RIO como pesquisadora no estágio do pós-doutorado e já publicou um livro

 Por Cristiane Manzini sob supervisão de Luísa Abreu

A educação é um dos maiores agentes transformadores de uma sociedade. Quando uma cidade consegue oferecer às crianças um ensino de qualidade, resultados impressionantes são alcançados. 

Foi o que aconteceu com Juliana Pereira, que desde cedo apostou no poder de mudança que a escola poderia fazer na vida dela. E fez. Ela destaca que as oportunidades oferecidas são resultado de políticas públicas que apontam a educação como caminho para a mudança social.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Como tudo começou

Os pais de Juliana acreditavam que estudar era uma prioridade. A mãe era costureira e o pai, torneiro mecânico. Com eles aprendeu desde cedo que chegar à faculdade era um grande objetivo. 

De origem simples, Juliana sempre frequentou o ensino público. Cheia de expectativas, começou a estudar no Colégio Estadual Princesa Isabel. Já no ensino fundamental foi para a Escola Paroquial Bom Jesus, onde permaneceu até ir para o Ensino Médio.  Era uma escola de bairro, próxima de casa onde todos se conheciam.

A primeira mudança

Ninguém na família de Juliana tinha curso superior. Algumas tias e primas fizeram o curso normal e se formaram professoras, mas ela nem sabia que em Petrópolis existia esse curso. Apenas no fim do Ensino Fundamental soube da possibilidade de seguir o mesmo caminho.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Através de uma professora da escola onde estudava descobriu que poderia trabalhar na área para pagar a faculdade, e viu na formação uma possibilidade de alcançar o seu sonho. No Colégio Estadual Rui Barbosa era tudo diferente. 

Outros colegas deram coragem de perguntar como fazia para chegar à universidade. “Eu não sabia nem o que era vestibular. Eu escutava muito esse termo, mas não sabia o que era”, comenta. E foi a partir de uma colega de turma que tudo começou a fazer sentido. 

O percurso

Juliana relembra a dificuldade do caminho até a faculdade. Na época, Petrópolis contava com poucas opções. A estudante não passou de primeira no SISU e ficou bastante frustrada. 

Através da professora Debora Battisti de Abreu, da turma onde dava estágio, recebeu a sugestão de tentar o vestibular do CEDERJ. Juliana não podia arcar com a inscrição para a prova e Debora dividiu o valor da taxa para que ela pudesse se inscrever. Apesar da vergonha da oferta, a aceitou com a promessa de, no futuro, fazer o mesmo por outra pessoa. 

Cursou então o primeiro período de Pedagogia no CEDERJ, gostou do que aprendeu, mas percebeu que não era o que ela queria. Juliana, no entanto, sempre destaca a importância de professores que fizeram diferença. “Tive professores muito especiais que me olharam de forma muito cuidadosa, que me permitiram sonhar. Isso é uma coisa que muda trajetórias”, relembra.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

A segunda mudança

Em uma nova tentativa no Prouni, Juliana colocou o curso de História como segunda opção em todas as Universidades possíveis no Rio de Janeiro, inclusive a Pontifícia Universidade Católica (PUC) que ela sequer sabia onde era. Foi chamada exatamente para estudar lá. Além da vaga, conseguiu a bolsa de 100% no curso escolhido. Ela relembra que dentro da PUC tinha um programa da reitoria que custeava as passagens, a alimentação e as cópias, e com isso conseguiu prosseguir nos estudos. 

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Constatando o racismo

Até esse momento, Juliana não sabia o quanto seria difícil enxergar a si mesma no espaço acadêmico. No ensino médio conversava sobre a importância da qualidade da escola pública, mas a questão do racismo não era muito falada. “Eu não enxergava Petrópolis como uma cidade preta”, conta ela. 

Foi no Rio de Janeiro que ela viu isso se intensificar, já que estudava em uma Universidade particular na Zona Sul do Rio. Em uma aula ela se deu conta sobre o quanto a entrada dos alunos iguais a ela era exceção, sendo a única pessoa que conseguia lembrar de ter chegado àquele lugar vindo da mesma origem.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Estar lá foi um grande desafio, mas ela conta que teve professores muito importantes que a acolheram em todas as suas singularidades. 

“Na PUC eu tive muitos professores que seguraram a minha mão de verdade e aí eu destaco muito meu orientador de monografia e iniciação científica, Professor Leonardo Pereira. Ele me viu com outros olhos, me ensinou o ofício de historiadora. Foi ele que me incentivou a tentar o mestrado em outra universidade, a UFF”, conta Juliana. 

Na Universidade Federal Fluminense ela conseguiu ver uma ampliação do acesso para pessoas mais parecidas com ela, e os temas étnico-raciais serem debatidos com mais frequência.

A rede de apoio

Juliana aponta a rede de apoio, desde os pais que permitiram que ela estudasse em tempo integral, até os familiares de Duque de Caxias que a acolheram quando voltar para Petrópolis todos os dias era inviável, como fundamental para permitir a continuidade dos estudos. 

“Eu me considero uma pessoa muito privilegiada que tive acesso a isso. Tive muitas pessoas que me permitiram estudar desse jeito porque se eu tivesse que trabalhar não teria como. Muita gente deseja estudar, mas não tem as condições necessárias para prosseguir”, ressalta.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Oportunidades nos espaços acadêmicos

Juliana aponta que muita coisa melhorou no espaço universitário. A pesquisa avançou, a lei de cotas trouxe oportunidades, mas ainda falta fazer mais. Ela ressalta que se o acesso aumentou, a permanência ainda é difícil. 

Em 2023 Juliana começou o pós-doutorado. Retornou à PUC-Rio, sua primeira casa. Apesar de todas as dificuldades ela tem convicção das escolhas que fez. 

“Estou muito feliz de ter feito História, de estudar História das pessoas pretas, porque eu pesquiso mulheres negras. Vejo como isso é importante, como isso impacta minha vida e a forma como eu me vejo na história.”

As pesquisas e o livro

Desde a graduação, Juliana focou seus estudos sobre as mulheres negras nos espaços de lazer. No Mestrado ela queria saber como as trabalhadoras (1870-1930) lidavam com os códigos de moralidade da época. 

No Doutorado ampliou ainda mais a pesquisa e descobriu vários artistas negros que hoje quase não aparecem nos registros de música brasileira. Terminando a tese resolveu participar de um concurso de monografias promovido pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Seu trabalho acabou ficando em 1º lugar e o prêmio foi a publicação do livro “A Era do Maxixe”.

“Tenho muito orgulho de ter escrito porque muitas histórias e trajetórias vieram à tona com o meu livro. Muitas mulheres que eu pesquisei que estavam no teatro de revista, que estavam cantando na indústria fonográfica não aparecem nas narrativas. Elas foram silenciadas,” comenta. 

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Trabalho

Apesar de ter formação em licenciatura, Juliana sempre atuou como pesquisadora. Fez vários trabalhos para projetos, instituições particulares e professores. 

Durante a pandemia, junto com colegas da UFF fez um podcast chamado “Atlântico Negro” sobre temas atuais e raciais para jovens que se interessassem pelo assunto. 

A partir desse podcast teve vontade de repensar a educação básica. Começou, então, a fazer uma especialização no CEFET em Petrópolis. Através desse curso investigou sobre a Petrópolis para além da cidade alemã, como a cidade preta e operária.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Juliana aponta o podcast como um de seus trabalhos mais relevantes, mas coloca a publicação do livro como uma virada de chave. A partir dele foi chamada para falar sobre as mulheres pesquisadas, inclusive em lugares fora da universidade.

Foto Arquivo Pessoal Juliana Pereira

Para quem está começando

Juliana destaca a importância de sonhar e ir atrás das condições para realizar os projetos. Ela relembra que o caminho não é fácil, mas é necessário ter dedicação e persistir para chegar aonde se deseja.  

“Meu conselho é: não desista, mantenha-se firme nos seus projetos e permita-se recalcular a rota se preciso. Muitas vezes a gente fica muito focado em algo que nem faz mais sentido”. 

E retorna ao ponto central sobre a importância da educação. “É quase um mantra, mas eu acredito que a educação transforma vidas”, conclui.

O livro “A Era do Maxixe” é fruto de edital público e, por isso, pode ser baixado gratuitamente no link http://www.rio.rj.gov.br/web/arquivogeral/monografias-contempladas-em-2019-e-2022

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