‘Sonho em ouvir ele me chamar de mãe’, diz petropolitana que filho teve paralisia por erro médico
[Dia das Mães] conheça a história de Natália Kochem, de 36 anos, mãe do Arthur Lobo, de 10, que por um erro médico, após o parto, o deixou com paralisia cerebral e epilepsia refratária
“O que me causa muita dor é nunca ter ouvido dele, um ‘mamãe’. É um sonho, mas que precisei abrir mão e entender que nunca vai se realizar. Mas o olhar de amor e confiança que meu filho me dá todos dias é mais do que o suficiente”. O relato é de Natália Kochem, de 36 anos, mãe do Arthur Lobo, de 10, que por um erro médico, após o parto, o deixou com paralisia cerebral e epilepsia refratária. Neste Dia das Mães – 12 de maio, conheça a história de mais uma guerreira, que luta por justiça pelo seu único filho.
Foto: arquivo pessoal
Sonho de ser mãe
O sonho e as escolhas de Natália sempre foram de casar, ter uma casa com jardim, cachorros e crianças correndo. Mas o destino agiu de uma outra forma.
“Eu sempre quis ser mãe. Arthur foi uma feliz surpresa, eu já tinha 25 anos e ele sempre foi muito querido e desejado. O pai de Arthur, após 3 anos de relacionamento, disse que queria ser pai, mas não queria ser marido. Assim ele fez, abandonou a relação. Foi a forma que ele escolheu para lidar com a responsabilidade que viria. E eu fiquei sozinha”, conta.
Foto: arquivo pessoal
Esse não foi o único problema vivido por Natália durante a sua gravidez. Na faculdade, cursando Arquitetura e Urbanismo, ela teve que enfrentar os desafios impostos pela sociedade à mulher.
“Minha gravidez não foi nada tranquila. Eu ainda estava na graduação e passei muito mal nos primeiros meses, dificultando atender às aulas. Um professor implicou muito comigo, dizendo que ‘gravidez não era doença’. No fim do período, ele deu uma nota que ameaçou minha bolsa e precisei recorrer ao Conselho da Universidade, comparecendo com uma barriga de 7 meses na frente deles para não passar fome”, conta.
Complicações após o parto
Tudo estava correndo dentro da ‘normalidade’ até o nascimento de Arthur, que veio ao mundo com nove meses de gestação e de parto humanizado. Natália conta que teve o apoio e cuidados da família paterna.
Foto: arquivo pessoal
“Fizemos o acompanhamento completo e planejamos tudo com muito cuidado. A equipe do parto tinha sido escolhida há meses. Arthur se desenvolveu com uma saúde invejável, que foi o que salvou ele do que viria a acontecer”.
Segundo Natália, o único problema foi que a pediatra-neonatologista contratada para o parto de Arthur estava em um congresso, então foi solicitado uma neonatologista de plantão do hospital para assistência. O parto durou 15 minutos, sem nenhuma intercorrência. Entretanto, Arthur não chorou ao nascer. Ali começou a luta de mãe e filho.
“Ele não começou a respirar imediatamente e a obstetra clampeou o cordão e o deu imediatamente para a neonatologista. Só que, infelizmente, ela não tinha preparado o kit de reanimação, que foi pego em uma outra sala. Até os equipamentos chegarem Arthur ficou sem respirar. Eu gritava. Meu filho que nasceu com uma cor normal, foi ficando uma massa azul nas mãos da médica. Por fim, ela enfiou um tubo nele, sem aspirar suas vias aéreas. E disse: ‘Ele não vai chorar agora porque está entubado’ e saiu. Fiquei em choque. Senti que ela demorou intencionalmente para entubar meu filho. Arthur teve dois episódios de bradicardia na UTI e entrou em convulsão. Ele foi colocado em protocolo de hipotermia e ficou em estado gravíssimo”.
Processo
A tão sonhada chegada de Arthur na vida de Natália virou processo por justiça ao atendimento que, segundo a mãe, foi negligenciado ao seu filho. A ação já dura 10 anos, sem resposta.
Foto: arquivo pessoal
“De fato entrei com um processo contra o hospital e a médica, que dizem que agiram minimamente em socorro ao Arthur porque segundo eles, ‘no parto humanizado as intervenções médicas são mínimas’. Eu vi tudo. Eu gerei ele em plena saúde, ele não era prematuro, ele fez exames genéticos perfeitos. O mais triste é que meu parto nem era natural, eu tive anestesia e paguei caro por um hospital, porque no caso de acontecer qualquer problema eu estaria do lado do centro cirúrgico com todo o atendimento necessário. Atendimento que foi negado ao meu filho”.
Uma vida de muito amor e cuidados ao Arthur
Natália conta que até hoje coleciona situações em que é preciso estar muito atenta aos cuidados com Arthur, que não anda, não fala, não consegue estruturar o pescoço e precisa de ajuda para sua própria postulação.
Foto: arquivo pessoal
“Arthur é um menino com alma de ouro, um sorriso contagiante, corajoso, sensível, amável. Precisa de apoio para todas as atividades mais simples e complexas. Se alimenta por gastrostomia e bomba infusora. Faz uso de muitas medicações para controle da epilepsia até hoje. Temos planos de retornar com a escola pois seu cognitivo é perfeito, mas o controle de seu corpo foi muito afetado pela falta de oxigenação que foi imposta a ele após o parto. É muito difícil a integração dele à vida em uma cidade que sequer possui calçadas”.
Para os cuidados de Arthur, Natália hoje conta com profissionais técnicos de enfermagem, em plantões de 24h, sob orientação e supervisão.
“Eu tive que abrir minha casa, minha vida, entender que nossa realidade é essa. Até seus 7 anos de idade eu assumi completamente seus cuidados dele, com ajuda da minha mãe, e garantimos que ele não adoecesse mais. Mas meu corpo estava pedindo ajuda, eu já não conseguia realizar os cuidados necessários, pois ele já tinha a metade de meu peso e precisava de manipulação dia e noite, todos os dias. Segui estudando e trabalhando não dormia mais. Vivi assim por esses 7 anos até adoecer mais seriamente. Foi quando precisei assumir que a condição do Arthur solicitava apoio profissional”.
Futuro de uma mãe para seu filho
Natália diz que não se coloca na posição de sofrimento psicológico devido a tudo que vivencia com Arthur. Mas não se coloca na posição de sonhar no futuro como as outras mães, vivendo um dia de cada vez.
Foto: arquivo pessoal
“Meus planos são sempre melhorar nossa vida no presente. Eu vivo e preciso viver o presente. Entendo que minha experiência como mãe é muito diferente. Não vou testemunhar e viver o que mães de crianças que não sofreram o que meu filho sofreu irão viver. São muitas as experiências que não viverei. Ao mesmo tempo, tenho a oportunidade de viver um amor que, ao não criar expectativas, libera espaço para ele ser exatamente quem é. A comunicação com o olhar é algo lindo. Eu só espero que Deus continue me dando saúde e forças para continuar apoiando, defendendo e fazendo de tudo para atendê-lo no desenrolar de nossas vidas”.
Luta por acessibilidade e contra o preconceito
Desde do ocorrido com o seu filho, Natália voltou o seu olhar para o combate ao preconceito e aàacessibilidade arquitetônica, o que também passou a ser um interesse profissional. Para ela as caudas tornaram-se uma missão.
“As estruturas que construímos são a base da vivência. Negar o acesso é negar a vivência e é portanto negar à vida. Enquanto Arquiteta e Urbanista fiz parte da Comissão de Acessibilidade do CAU-RJ e busquei colaborar para a conscientização da minha classe e da sociedade sobre a obrigatoriedade e importância da acessibilidade. Como alguém que já precisou trocar a fralda do filho de 9 anos no chão de um museu por não ter outro lugar. A noção de dignidade fica muito inflamada. Ter de lutar pela simples existência de nossos filhos, lembrar à sociedade que existimos, ao mesmo tempo viver as intransponíveis dificuldades envolve uma força e estrutura interna que só se sustenta com muito amor. É isso que desejo hoje para as mães. Confiem em sua força interna, continuem defendendo seus filhos e tenham a certeza que estão fazendo tudo certo”, diz Natália neste Dia das Mães.