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Racismo estrutural e blackface; especialistas de Petrópolis explicam conceitos para conscientizar sociedade contra preconceito racial

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Racismo estrutural e blackface; especialistas de Petrópolis explicam conceitos para conscientizar sociedade contra preconceito racial

Racismo é considerado crime por lei desde janeiro de 1989, mas, na prática, as violações contra a população negra continuam ocorrendo diariamente

Pintar os rostos de preto para ir a uma festa à fantasia, rir de piadas relacionadas às pessoas negras. Estes são apenas alguns exemplos de práticas racistas.

Neste final de semana em que foi celebrado o Dia da Consciência Negra, especialistas de Petrópolis explicam alguns conceitos, como racismo estrutural e blackface com o objetivo de levar conscientização à sociedade contra o preconceito racial.

Fotos: Arquivo Pessoal Cleonice Fernandes/ Arquivo Pessoal Rafael Chino/ Arquivo Pessoal Jonathan Marinho

A educadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Petrópolis explica o motivos pelos quais nem sempre os crimes de racismo são levados à polícia. Também educador do CDDH, Jonathan Marinho fala sobre como a sociedade encara práticas racistas com naturalidade, sem fazer questionamentos e críticas sobre o fato de a população negra ser historicamente marginalizada.

Já Rafael Chino, autor do podcast “Lado Black”, traz um histórico sobre o termo “blackface”, originário dos Estados Unidos e que está ligado ao racismo recreativo.

Dados de injúria racial

Injúria racial é o termo usado quando uma pessoa é ofendida por sua raça, cor, etnia, religião ou origem.

Em Petrópolis, a Polícia Civil informou que teve 62 casos de injúria racial registrados em 2021.

Os registros foram feitos entre os meses de janeiro e outubro nas delegacias do Centro (105ª DP) e Itaipava (106ª DP).

O levantamento mostra que o número de registros de casos de injúria racial cresceu em 2021, se comparado com o ano anterior. Porém, quando comparado com os anos de 2018 e 2019, nota-se uma diminuição.

Subnotificações

Para a educadora do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Petrópolis, Cleonice Fernandes, nem sempre as pessoas que sofrem as ofensas chegam a fazer o registro, o que faz com que muitos casos nem cheguem a ser notificados.

“Quando no Brasil acontece algum crime de racismo, geralmente a pessoa que cometeu esse ato criminoso é julgada e, ao invés de responder por esse crime, o ato criminoso que ela exerceu cai na lei de injúria racial, e essa pessoa acaba tomando uma penalidade mínima como a reclusão de dois a três meses ou o pagamento de cestas básicas, ao passo em que a pessoa que sofreu o racismo na pele sofre o trauma do acontecimento com consequências que podem ser graves para a sua saúde mental e autoestima”, explica Cleonice.

Segundo a educadora, todo o esforço que a pessoa faz de ir até uma delegacia relatar o que aconteceu, o que faz com que ela reviva todo o evento traumático, além de juntar as provas para registrar a ocorrência, se perde no instante em que ela recebe a notícia de que seu agressor está livre e impune.

“Isso quando ela não é ridicularizada e desmentida mesmo com provas, o que infelizmente é algo muito recorrente em nosso país. A sensação é de impotência e de negligência. Isso porque nossa sociedade é estruturalmente racista e não considera a dor e sofrimento daqueles que não têm voz ativa na sociedade, dos marginalizados e esquecidos pelo poder público e seus representantes”, destaca

Blackface

Em outubro, o caso de um homem e uma mulher brancos que usaram perucas e pintaram o rosto de preto para a festa de uma igreja repercutiu na cidade devido ao teor racista.

O caso é considerado como blackface, cara preta, na tradução livre. A situação ocorreu no fim de outubro e ganhou notoriedade após o casal publicar a foto em uma rede social.

Foto: Reprodução redes sociais

O caso chamou a atenção de diversos setores, como a Comissão de Educação, Assistência Social e Defesa dos Direitos Humanos da Câmara de Vereadores que chegou a entrar com uma notícia-crime no Ministério Público.

Rafael Chino, que também é publicitário, explica de maneira didática o que significa o blackface e porque deve haver conscientização da sociedade para evitar que crimes como esse se repitam.

A origem do termo

Apesar de o termo ser reconhecido como um fenômeno norte-americano já que se tornou amplamente difundida nos Estados Unidos através dos menestréis, grupos teatrais que ficaram populares entre 1840 e 1910, Rafael afirma que a prática do blackface se popularizou por todo o mundo e também foi impulsionada pelo cinema.

Ele explica que, geralmente nestes espetáculos eram reforçados estereótipos, como se todo o negro fosse ignorante, preguiçoso, malandro e, em simultâneo, sempre disposto a cantar e dançar.

“Existe um dano social muito maior do que apenas a intenção de quem faz e daqueles que se sentem ofendidos. Essas características e estereótipos são formas de fazer com que determinado grupo seja enxergado não por sua complexidade como humanos, mas reduzidos a determinadas características sejam elas negativas ou não. Japoneses são inteligentes, indígenas são primitivos, mulheres são raivosas. Ou seja, essas pessoas não são plurais, elas são apenas isto. Quando falamos de blackface, o que pode parecer uma simples brincadeira, acaba sendo um conjunto destes processos de desumanização que estão presentes desde a sua origem”, afirma.

Rafael destaca que episódios de blackface devem ser sempre desencorajados, por mais inocentes que sejam as intenções e mesmo que alguma pessoa negra naquela ocasião não se sinta ofendida, ele afirma que isso contribui para que a sociedade veja pessoas pretas como algo diferente do humano.

“Por mais que aquela ação pareça ser apenas uma questão entre dois indivíduos, ela é tão amplamente difundida e normalizada, que acaba afetando toda a sociedade”.

Racismo estrutural

Para Rafael, é preciso ressaltar o quanto estereótipos e o imaginário são peças fundamentais para construir o que hoje é chamado de racismo estrutural.

“Ou seja, quando pensamos em racismo, logo pensamos na ofensa ou ação direta entre um indivíduo ou grupo. Porém, quando normalizamos alguma prática, ela serve para que ações indiretas de racismo sejam aplicadas na sociedade. Imagine que você está num grupo de amigos, de repente o amigo negro derruba uma bandeja e um amigo branco cutuca o outro e solta a seguinte frase: ‘Tinha que ser preto’. Por mais que a pessoa negra ria junto e não se sinta ofendida, por trás dessa única ação existe todo um imaginário de que pessoas pretas são menos capazes, menos habilitadas para qualquer ação. Resumindo, o que se cria no imaginário é que quando uma pessoa preta comete um erro, ela o faz apenas pela cor da pele com que ela nasceu”, explica.

O educador Jonathan Marinho acrescenta que apesar de o racismo ser considerado crime, o que se vê na prática todos os anos é um número alarmante de jovens, mulheres e adultos negros que são mortos e, segundo ele, a sociedade como um todo encara isso com normalidade.

“Nós, enquanto sociedade, ainda achamos que isso é normal. Não há nenhum tipo de questionamento dos cidadãos de bem referente a esses e outros dados das violações que são, todos os dias, dispensadas à população preta. Há uma grande naturalização e perpetuação da violência contra o povo afrodescendente do país. Se estamos ainda no Brasil e somos a maioria é porque o povo preto vem resistindo, mesmo com tantas ações que visam o seu extermínio. O fato é que o racismo existe e, pelo menos em nosso país, está entranhado na cultura e nas relações sociais, passando pelo campo político, econômico e subjetivo“, conclui Jonathan.

Veja também: Petrópolis ganha museu virtual para reunir memórias da população negra

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