5 livros que contam o contexto histórico de Petrópolis na ditadura militar
A cidade é conhecida mundialmente por ter abrigado um dos principais centros de tortura e assassinatos do país: A Casa da Morte. Em Petrópolis, também ocorreram cassações políticas e perseguições
O Brasil viveu sob ditadura militar entre os anos de 1964 e 1985. Os militares assumiram o país depois da deposição do então presidente João Goulart (Jango) em 31 de maio de 1964. Na época, havia o receio de parte da população de que Jango transformasse o Brasil em um país comunista, o que fez com que ele fosse pressionado a fugir para o Uruguai.
Com o fim da democracia, começaram as perseguições contra grupos políticos que discordavam do governo militar e a proporção dos crimes contra essas pessoas foi aumentando até chegar em 1968 quando foi assinado o Ato Institucional número 5, considerado o ato que “institucionalizou” a prática da tortura.
Petrópolis ficou conhecida dentro desse contexto político por ter abrigado um dos principais centros clandestinos de tortura no país: a Casa da Morte, localizada no bairro Caxambu. Para o local, eram levados presos políticos de todo o país, onde eram torturados e mortos.
Foto: Aline Rickly
Apenas uma pessoa sobreviveu as torturas: Inês Etienne Romeu. Ela permaneceu em cárcere privado por três meses (em 1971) e só conseguiu sair viva porque fingiu concordar em trabalhar para o regime como infiltrada nos grupos de esquerda.
Foto Reprodução Associação Brasileira de Imprensa
Inês foi quem forneceu a maior parte das informações sobre o funcionamento da Casa da Morte. Informações essas que foram corroboradas por depoimentos de militares para as comissões da verdade e por pesquisas a documentos da época. Inês morreu em 2015, aos 72 anos.
Os presos políticos levados para a Casa da Morte são considerados desaparecidos por não haver informações oficiais sobre suas mortes.
“Não há ninguém na Terra que consiga descrever a dor de quem viu um ente querido desaparecer atrás das grades da cadeia, sem mesmo poder adivinhar o que lhe aconteceu. O “desaparecido” transforma-se numa sombra ao escurecer-se vai encobrindo a última luminosidade da existência terrena”, afirma Dom Paulo Evaristo Arns no livro “Brasil Nunca Mais”.
Na cidade, também ocorreram cassações políticas e perseguições. Veja como Petrópolis é citada na literatura em cinco livros que abordam o tema: ditadura militar.
1. Brasil Nunca Mais
Publicado em 1985, “Brasil Nunca Mais” foi desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns (Cardeal-Arcebispo de São Paulo na época) e é uma das obras fundamentais para entender o que aconteceu durante os 21 anos de ditadura militar no Brasil.
Foto: Aline Rickly
O livro relata com detalhes as práticas de tortura que eram aplicadas contra presos políticos na época, como o “pau-de-arara” e o choque elétrico e fala sobre a dor e o desespero de parentes dos desaparecidos durante a ditadura.
No prefácio, Dom Paulo Evaristo Arns diz: “[…] a tortura, além de desumana, é o meio mais inadequado para levar-nos a descobrir a verdade e chegar à paz.”
Arns conta ainda que atendia na Cúria Metropolitana de São Paulo naquele período e recebia mais de 20 pessoas senão 50 por semana em busca do paradeiro de seus parentes. Em um dos relatos conta sobre uma jovem que atendeu. “[…] ao assentar-se em minha frente, colocou de imediato um anel sobre a mesa, dizendo: ‘É a aliança de meu marido, desaparecido há dez dias. Encontrei-a, esta manhã, na soleira da porta. Sr. padre, que significa essa devolução? É sinal de que está morto ou é um aviso de que eu continue a procurá-lo?’”.
Petrópolis é citada no capítulo em que o livro aborda a Casa da Morte, com depoimento de Inês Etienne Romeu, onde ela conta que uma das práticas de tortura a que foi submetida foi ter sido colocada “completamente nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura estava baixíssima. Petrópolis é intensamente fria na época em que lá estive (oito de maio a onze de agosto)”.
A cidade também aparece como tendo sido destino de presos políticos, considerados desaparecidos, como: Mariano Joaquim da Silva (Loyola), Carlos Alberto Soares de Freitas, Marilena Vilas Boas Pinto, Aluísio Palhano, Ivan Mota Dias, Walter Ribeiro Novais e Heleni Guariba.
2. Memórias de uma Guerra Suja
Em depoimento a Marcelo Netto e Rogério Medeiros, Claudio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) conta como ocorriam os desaparecimentos dos corpos dos presos políticos e fala sobre a “importância” de Petrópolis para o regime no contexto nacional da época.
Foto: Aline Rickly
Segundo Guerra, os presos mortos na Casa da Morte de Petrópolis eram levados para a Usina de Cambaíba em Campos dos Goytacazes, onde eram incinerados. “Não tenho responsabilidade pela tortura e pelo assassinato deles, mas sim pelo desaparecimento”, afirma.
O ex-delegado conta que pegava os corpos na garagem da casa em Petrópolis. “Eu não entrava na Casa da Morte. Quando chegava a coisa já estava arrumada: os corpos me eram entregues e eu saía. Não tive conhecimento de nada sobre essa casa no que diz respeito à tortura. Apenas colocava os corpos no porta-malas. Cheguei a ir lá apenas porque o coronel Perdigão e o comandante Vieira tinham muita confiança em mim […]”.
Foto: Aline Rickly
No livro, Guerra diz ainda que para o local eram levados os “presos considerados estratégicos”. “A Casa da Morte era para onde iam as pessoas mais importantes”.
3. A Ditadura Escancarada
O segundo da série de cinco livros escritos pelo jornalista Elio Gaspari, “A ditadura escancarada” aborda o período conhecido como “Anos de Chumbo” – 1969 a 1974. “Foi o mais duro período da mais duradoura das ditaduras nacionais”, diz o autor.
Foto: Aline Rickly
Petrópolis é citada a partir das memórias do médico Amilcar Lobo. Ele conta sobre a primeira vez que esteve na Casa da Morte para cuidar de uma mulher atropelada em Cascadura (Inês). No local, Lobo foi recebido por um dos majores que atuava na casa e após atender a presa foi para o Rio com o major. Segundo o médico, durante a viagem o major disse que: “A casa (rua Arthur Barbosa, 668) funcionaria como um aparelho de torturas e assassinatos. O aparelho de Petrópolis – codinome Codão – era uma base do Centro de Informações do Exército”. O livro afirma que: “Seria um erro chamá-la de clandestina. O comandante da PE sabia da sua existência”. PE= Polícia do Exército.
O livro, com versão atualizada em 2014, diz ainda que não se sabe quantas pessoas morreram na casa naquele período.
Sobre o contexto nacional da época, o autor explica: “O Milagre Brasileiro e os Anos de Chumbo foram simultâneos. Ambos reais, coexistiram negando-se. Passados mais de quarenta anos, continuam negando-se. Quem acha que houve um, não acredita (ou não gosta de admitir) que houve o outro”.
Já com relação às torturas que se acentuaram nos anos de chumbo, Gaspari afirma: “A tortura envenenou a conduta dos encarregados da segurança pública, desvirtuou a atividade dos militares da época e impôs constrangimentos, limites e fantasias aos próprios governos ditatoriais”.
4. Estação Petrópolis
Publicado em 2006, o livro que conta a história do médico e político petropolitano Rubens de Castro Bomtempo, pai de Rubens Bomtempo (prefeito eleito em 2020 que não pôde ocupar o cargo no Executivo porque está com a candidatura sub judice e aguarda decisão do Tribunal Superior Eleitoral) mostra o contexto anterior a ditadura e os reflexos que ela gerou na cidade nos primeiros anos do regime.
Foto: Aline Rickly
“O ambiente político-social em Petrópolis tornou-se conturbado no decorrer de 1963, assim como nos grandes centros urbanos e em outros lugares do País.”
Já em 1º de abril de 1964, ele lembra que no dia anterior houve o encontro de tropas contra e a favor do governo do presidente João Goulart se encontraram em Areal, município vizinho. Não houve embate. “Por volta das 15 horas, houve corte no sistema de telefonia da Prefeitura. No gabinete, cheio de gente, alguns líderes fizeram discursos exaltados contra o golpe. Depois, ficamos conversando em grupinhos, ainda desorientados”.
Rubens relata que as prisões marcaram o mês de abril daquele ano. “Vários sindicalistas foram presos e levados para interrogatórios no 1º BC, de onde alguns foram liberados. Uma parte dessas prisões foi feita na ambulância do Sindicato dos Têxteis, confiscada pela repressão”.
Dois anos depois, Rubens considera que o ano foi de “tempestades” na cidade. Dezembro de 1965 foi marcado por uma chuva que provocou deslizamentos e enchentes que deixaram 1,5 mil pessoas desabrigadas e prejuízo para o comércio e estoques de fábricas, como a Companhia Petropolitana de Tecidos. Já em 12 de janeiro de 1966 uma nova chuva assolou a cidade, que já se encontrava sem recursos e sem apoio dos governos do Estado e Federal, o que foi provocando um clima de instabilidade política. Uma nova chuva em março fez totalizar 200 mortos naquele ano.
O prefeito da época, Flávio Castrioto, foi cassado em 4 de julho de 1966 pelo presidente Castello Branco. Com isso, Rubens de Castro Bomtempo, que era vice-prefeito assume a Prefeitura. Porém, seu mandato durou poucos dias. No dia 15 de julho, ele conta como foi que soube da sua cassação. Era Copa do Mundo e o Brasil tinha jogado naquele dia. “Pouco depois do fim do jogo, entrou O Globo no Ar em edição extraordinária, noticiando a nova lista de cassados da ditadura, que perdiam também os direitos políticos por dez anos. O locutor leu na íntegra o decreto, assinado por Castello Branco. […] Por último, ouvi meu nome, apresentado também como vice. A pedra, enfim, caía”.
Com isso, a Prefeitura foi assumida pelo interventor Fernando Sérgio Ayres da Motta, aposentado da Panair do Brasil.
5. Fabrício: Quadros de uma Existência
Publicado em 2011 por Maria Alves de Quadros, filha de Fabrício Quadros, o livro conta sobre a perseguição política que a família sofreu em Petrópolis durante a ditadura militar. Fabrício era do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Foto: Aline Rickly
No livro, Maria resgata com detalhes a história de toda a família intercalando com o momento político da época tanto do ponto de vista nacional quanto local de forma que é possível se transportar e enxergar toda a situação a que a família foi exposta pelo regime.
Nascido em 1902 em Portugal, Fabrício chegou ao Brasil em 1919. Inicialmente morou com um primo no Rio de Janeiro. Em 1923 conheceu a mulher, Ascensão, com quem Fabrício casou em 1926. Ascensão também nasceu em Portugal em 1908 e veio para o Brasil com os pais. O casal teve 11 filhos.
Durante a ditadura, Fabrício precisou se esconder dos militares diversas vezes, inclusive indo clandestinamente para o Uruguai. Ele também era preso constantemente por ser considerado “subversivo”. Ainda assim nunca deixou de acreditar nos ideais comunistas. Era visto na cidade como um homem bom, que sempre ajudava o próximo. Tinha uma quitanda na Rua Coronel Veiga e um sítio em São José do Vale do Rio Preto. A barba grande era um traço físico marcante.
Fabrício morreu em 29 de dezembro de 1986 e foi enterrado em Petrópolis coberto com a bandeira do PCB.
“Meu pai não presenciou a abertura política mas, onde estiver, certamente, estará se empenhando para que a justiça social se faça realidade. Ironicamente, a previsão, de vinte anos de ditadura, feita por ele, antes mesmo de ir para o Uruguai, também consumiu-lhe a vida, não chegando a ver o PCB legalizado. Político, íntegro e idealista, em nenhum depoimento a que tive acesso, nunca denunciou qualquer camarada em seu benefício ou de outrem e jamais negou ser comunista”.